A escolha e utilização dos cartuchos na caça menor são sempre motivo de discussões apaixonadas que animam as nossas tertúlias. Porém há pontos concordantes, permitindo ao caçador estabelecer se não regras, pelo menos um conjunto de noções práticas.
Aí está outra época de caça geral, pelo que aqui trago este tema! Muitos compram os cartuchos que o armeiro aconselha ou porque vêem os outros usar, e até o que calha. Uns usam o mesmo para tudo, outros variam consoante o que há, aquilo que acertam e até por razões de publicidade, ostentação ou “moda”! Eu sou dos que acham que cada caso é um caso e um caçador deve preencher cuidadosamente o seu cinturão na véspera e meter no bornal uma caixa de cartuchos diferentes, prevenindo outras situações.
A mim ainda me dá um gozo enorme na véspera da saída, escolher os cartuchos e arrumá-los na cartucheira, prevendo o que vou encontrar, conforme o terreno e a vegetação, que espécies poderei encontrar e abater, como se vai desenrolar a caçada, e gosto de ir preparado. È começar a caçar desde logo!
Ora antes de mais, todos devíamos saber e com verdade, sem nos enganarmos a nós mesmos, qual a classe de atirador a que pertencemos:
Fraco – do tipo, é o que calha…
Médio – do género, tenho dias… mas consciente.
Bom - matamos com regularidade e sabemos porquê.
Superior – daqueles que matam sempre bem!
A maioria dos caçadores pura e simplesmente não tem a noção do que realmente são como atiradores! Tudo começa aí… depois muda-se de arma e de cartuchos como se muda de cuecas, nunca nos fazemos a eles e nunca percebemos ao certo o que se passa. Só conhecendo-nos como atiradores podemos fazer as melhores escolhas!
Um caso frequenteUma história exemplar:
Ao terceiro dia de caça consecutivo, numa turística em Espanha, onde foi a convite, o Alberto, com a arma do costume, viu e atirou tanta caça que se lhe acabaram os cartuchos, sendo-lhe fornecidos uns da marca “olhocierto". Matou bem e com regularidade. “È pá, g’andas cartuchos! Estes é que são… nunca mais quero outros!" Pensou ufano, e a primeira coisa que fez quando regressou, foi comprar em segredo uma valente provisão deles… agora é que a malta ia ver!
Para estar fora e na caça quase uma semana, houvera delicadas negociações familiares e o Alberto teve de ceder dois fins-de-semana para ir de visita a uma prima da mulher e outro para ir aos anos duma sobrinha desta, que isto a vida de caçador nem sempre é fácil! Passadas duas semanas sem atirar, lá vai ele com o pessoal do costume, a quem já alardeou os feitos lá na Espanha e os cartuchos “que vócezes vão a ver!". Está cheio de si… porém ao final do dia matou o que era costume – pouco - e o pessoal é só gozar e desforrar-se da inveja que a ida à Espanha causou e da prosápia do Alberto.
Desgostoso o Alberto maldiz os cartuchos: - "Isto se calhar, são diferentes… eles mudaram as cargas... os outros foram comprados lá na Espanha, aldrabões!". Depois põe-se a olhar para a arma... se calhar o defeito está na arma… deve ser isso, deve! E tira medidas, encara-a e torna a encarar... pensa já em trocá-la por uma igual à nova do Belmiro que se fartou de matar, com 61,73 cm de cano e almas de 5 e 7/3 e 25 décimas, que ele nem sabe o que significa mas decorou e garante ser o melhor que existe…
Ora digam lá a quantos isto não sucedeu já? ou quantas vezes a tal assistimos? Quantos Albertos não foram capazes de perceber que ao terceiro dia consecutivo, a atirar bastante, “lhe apanharam o jeito”, ao que arma e cartuchos foram estranhos? E que depois o perderam por falta de continuidade?
A nossa capacidade melhora com o tempo, com os tiros e muito com a assiduidade, como depois se perde com idade. Há que escolher choques, arma e cartuchos em conformidade quer com essa realidade quer com aquilo a que vamos e como vamos caçar! Porém chegar a conclusões não é nada fácil nem linear, leva tempo e muito experimentar.
Não nos serve copiar outros sem critério, há sim que nos conhecermos e saber também reconhecer os outros… nunca me passaria pela cabeça imitar o “Pocinhas” que mata perdizes como poucos com as suas cargas pessoais de chumbo 4 e o faz com uma regularidade que me levam antes a tentar perceber e a aprender, certo de que estou perante um atirador muito superior, com quem não me posso comparar – e o seu filho João já vai na mesma… é cada bigode! Logo o que eles usam não me serve e não é por o copiar que passaria a matar melhor.
Recordo-me sim do que me aconselhava o Sr. João Acabado, sobre o meu caso em que era aconselhável usar choques moderados e cargas equilibradas de 32-34 g, que provavelmente é o caso duma grande maioria! Tentarei portanto recolher e reunir neste artigo, algumas ideias que auxiliem a algum colega que ande mais “perdido”, ressalvando sempre que o que digo me serve a mim, mas não significa ser a melhor nem a última opinião!
Breves noções A carga padrão do calibre 12, situa-se nas 32 gramas de chumbo, com uma tolerância de + 2 e – 2 gramas, ou seja entre 30 e 34 g, que todavia mantêm o seu equilíbrio! A chumbada não é uma roda plana como sugere a superfície de impacto num papel, onde se vê um círculo! A carga de chumbo, logo no cartucho tem a forma de um cilindro, depois viaja no cano e a seguir livremente no ar, a diferentes velocidades e se espalha, pelo que acabará por ter a forma de um cone em que o vértice corresponde ao meio e a aba, ou borda do círculo, viaja atrasada em relação ao meio. Ou seja ficam espaços por pode passar uma peça!
As espingardas não chumbam todas igualmente, embora haja com certeza uma standartização, mas a qualidade e portanto fabrico dos canos tem influência. Há que testar a arma que vamos usar e experimentar os cartuchos numa chapa! O comprimento dos canos, com as modernas pólvoras, tem a ver com a facilidade em apontar, e não com o compor da bagada.
Num tiro em que seja preciso encarar e apontar rapidamente é vantajoso um cano curto, já num tiro largo e com grande desconto é melhor um comprido. As cargas ditas fortes, porque maior quantidade de chumbo, como 36 gramas, têm a vantagem de encher melhor o espaço da bagada. Mas, sofrendo um maior efeito dispersante, alargam e acabam por deixar claros no preenchimento desse espaço. Isto se compõe usando canos mais fechados ou chocados, mas claro com duas obrigações; uma é atirar mais longe para não desfazer a peça, e outra, o termos habilidade para isso.
Portanto, cargas fortes, de 36 g e daí para cima, são para tiros largos e atiradores muito bons! Uma carga forte (mais peso de chumbo) produz um tiro mais lento, o que se reflecte nos descontos a dar. Uma carga mais leve (menos peso de chumbo) produz um tiro mais rápido e portanto atenua a questão dos descontos que não estão ao alcance de todos. Mas dentro do limite ou terá um efeito altamente dispersante!
As cargas fortes, dão maior coice, influindo no atirador e no resultado do tiro, logo atenção ao peso da arma que deve ser equilibrado, sendo uma vantagem o uso de semi-automáticas que amortecem a explosão e o recuo.
A carga standard do calibre, para um mesmo número do chumbo, é em teoria, a que melhor enche o espaço da bagada ou tem uma mais uniforme distribuição dos chumbos. Para chumbo mais grosso podemos aumentar a carga, pois sendo mais grosso, tem na mesma gramagem menos bagos, o que provoca os tais claros.
Para chumbo mais miúdo devemos diminuir a carga, ou se provoca a dispersão. Isto é uma consideração teórica, desde que usando sempre a mesma a arma e choques. Não esquecer que o estrangulamento dos canos, a distância e até as temperaturas do dia (provocando variação nas pressões) têm influência no tiro. O chumbo mais grosso mata mais longe por ter mais poder derrubante e pedir um número de bagos menor do que o miúdo para ter efeito letal.
Há uma eterna discussão entre Alemães e Ingleses, uns defendem ser necessários 3 bagos para matar uma peça e os outros 5! Para uma lebre, 3 bagos de chumbo 8 parece-me curto e para um tordo certamente que não são precisos 5 bagos de chumbo 5!
Embora pareça preciosismo, há vantagem em usar 2 cartuchos de chumbos diferentes em dois tiros à mesma peça, exemplos, o clássico 7 no cano direito e 6 no esquerdo, para uma perdiz saltada que se afasta.
É atirada perto com chumbo mais miúdo, numa carga que usa bem a dispersão e a leveza no choque mais aberto, permitindo depois fazer a emenda com uma carga mais forte, à peça que se afasta, usando o choque mais estrangulado.
O inverso para uma batida, em que se atira a uma peça que entra, primeiro com o cano mais estrangulado, e depois mais perto, com o cano mais aberto. (Daí a razão de as armas de dois canos terem normalmente estrangulamentos diferentes em cada cano e as de monogatilho terem um selector de tiro que permite escolher o cano com que se vai atirar).
O habitual cartucho com dispersor no cano direito para o coelho que salta aos pés e dentro do mato e o cartucho normal no cano esquerdo, para a emenda mais afastada ou um tiro para a limpa.
Bons tiros, cautela e boas caçadas… calhando nos encontraremos no campo!
Em teoria podemos então resumir:- Carga standard no calibre 12, são 32 g de chumbo com tolerância de +2 ou –2.
- Tiro perto = choque aberto e gramagem standard.
- Tiro largo = choque fechado e mais gramagem.
- Mais gramagem = tiro mais lento mas menos claros.
- Menos gramagem = mais velocidade, maior dispersão, mais claros.
- Mais gramagem = maior coice e vice-versa.
- Confirma-se o clássico quadro seguinte sobre a relação do número do chumbo e das cargas nos cartuchos com peças:
Codornizes – Chumbo 10 ou 9, com 28 ou 30 g.
Narcejas – Chumbo 9 ou 8, com 30 ou 32 g.
Tordos – Chumbo 8 ou 7 ½, com 30 a 32 g.
Rolas – Chumbo 8, 7 ½ ou 7 com 30 a 32 g.
Pombos – Variando com as distâncias e choques, há quem utilize do 7 ao 4.
Verifica-se uma nítida preferência pelo nº 6 ou 5, com 34 a 36 g.
Perdizes – Há duas realidades distintas:
Bravas – chumbo 7 e 6 são os indicados, com 34 ou 36 g!
Postas – chumbo 7 ½ e 7 com 32 g!
Galinhola – 7 ½ ou 7 com 32 g.
Patos – Consoante distâncias e choques, os locais e hora, usam-se desde o 7 ao 4!
O mais comum é o chumbo 6 e 5 com 34 ou 36 g. Altos, o nº 4 e 36 ou mais
gramas.
Lebre - Ideal o chumbo 6 ou 5 com 34 a 36 g.
Coelhos - Há um consenso no chumbo 6 e 32 g. Com ou sem dispersor!
Definindo o “cartucho que dá para tudo” sem dúvida chumbo nº 7 com 32 gramas!
Fonte: confagri