A D. Lurdes e a D. Otília, vizinhas de recente data, descobriram na sala de espera do Centro de Saúde da zona que os respectivos maridos tinham uma paixão comum: a pesca.
- Sra. D. Otília, em boa ora o meu marido arranjou esse bendito entretém!
- Acha que sim Sra. D. Lurdes!?…
- Acho. Ai, faz-lhe muito bem!… Acalma-o e distrai-o. Mesmo em casa, pois anda por lá todo entretido a empatar anzóis e a fazer aquilo que ele chama de montagens, ou lá o que é… Olhe enquanto está entretido não me chateia, não se mete nas minhas coisas, não implica.
- Pois, D. Lurdes, eu maldigo a hora em que o meu marido decidiu dedicar-se à pesca. Nunca mais saiu comigo ao Domingo, passa os Sábados enfiado na loja da pesca e durante a semana anda nas nuvens, à espera que chegue a pescaria e ocupado nessas coisas das montagens, ou lá o que é…
- Ora, mas isso é um descanso…
- Qual descanso, é um corte quase total de comunicação. Olhe, é pior que o futebol!
- Não diga isso! Olhe que a pesca faz muito bem…
- Faz, faz… Olhe, o meu marido está cheio de artroses, por passar os Domingos sentado à beira rio, de cana na mão. E tem a coluna que é uma miséria, por causa da francesa…
- O quê, ele tem uma francesa?… Não será brasileira, ucraniana…
- Por amor de Deus, D. Lurdes, não é nada disso!… É por causa da pesca à francesa, que é feita com varas de 13 metros. Um exagero, um disparate, uma maluquice.
- Pois, quanto a isso, o meu Adérito, às vezes, queixa-se das costas, mas eu acho que é mais culpa de passar a semana alapado à secretária…
- O quê, não me diga que ele e a secretária…
- Não, não… Quero dizer sentado, sentado à secretária…
- Ah…
- Seja como for, eu acho que a vida ao ar livre faz muito bem. A pesca, faz muito bem.
- Faz, faz… E então à carteira!!! Se visse a tralha de pesca que o meu Herculano tem…. Acho que gasta mais do que se tivesse uma francesa, brasileira ou ucraniana de carne e osso.
- Ora, D. Otília, os homens têm que se entreter.
- Sim, sim, mas porque é que ele não vai correr ou fazer cicloturismo ou natação, que são coisas saudáveis. E, assim, até eu ia com ele. Isso, sim, isso são desportos. Agora a pesca, por amor de Deus…
- Ora essa, tanto que é desporto que o meu marido até é federado. E todos os anos tem de arranjar uma declaração médica a garantir que está apto a praticar esse desporto.
- Desporto, a Sra. está a chamar desporto a um… a um… vício!!!
- Olhe, se é vício, sempre é melhor que o tabaco ou a bebida!
- Sorte a sua, pois o meu Herculano não só pesca, como bebe e fuma. Pfff… como é que assim sendo se pode considerar desportista.
- Ai vizinha, não me diga nada que o meu Adérito também fuma que nem uma chaminé…
A partir daqui, a conversa deixou a pesca e encaminhou-se para o rol de riscos tabágicos, incluindo os vários cancros possíveis e imaginários. E acabou com a chamada da D. Lurdes para a consulta.
Eu, infelizmente, ainda tive que esperar mais de meia hora para ir mostrar ao médico as radiografias das minhas costas miseráveis. Por causa da francesa… Como diria a D. Otília.