Nas andanças da pesca lúdica e desportiva conhecemos diversas espécies de praticantes. Sem querer ofender ninguém, aqui vão alguns tipos de pescadores com que me tenho deparado ao longo de quase 50 anos de faina.
1. O arrebenta:
Tipo que arrebanha tudo o que pesca, com muito ou pouco valor, geralmente peixes pequenos e muito pequenos (a maior parte sem medida). Quando questionado porque não devolve os exemplares insignificantes à água, diz: “Isto é tão bom fritinho!”.
2. O aldrabão:
Comparsa que, por norma, apanha sempre. Há o que pesca muito peixe na casa dos 400 gramas / meio quilo e o que apanha sempre peixes de quilo. Há ainda quem se alargue muito mais: 3, 4, 5 quilos... Mas quando se pede a prova fotográfica ouvimos dizer que, desgraçadamente, o telemóvel estava sem bateria...
3. O “modesto”:
Mangas que quando se pergunta o que pescou, diz: “Apanhei uns peixitos - uns sargotes e uns robalotes”. Depois, rapa do telemóvel e mostra a foto de vários exemplares entre o quilo e os dois quilos. Afinal, este “modesto” é um vaidosão…
4. O javardo:
Infelizmente é um cromo ainda muito comum. Deixa no pesqueiro, consoante o local e o tipo de pesca, caixas de coreano, latas de milho, sacos de plástico do engodo de farinhas ou de sardinha, panos, latas e garrafas de cerveja, peixe morto, etc., etc. Um nojo!
5. O amigão:
Pescador que perante um camarada próximo, que assumidamente não sabe pescar ou não tem grande técnica, lhe oferece um anzol mais adequado, uma bóia ou uma chumbada e lhe dá umas dicas sobre a melhor forma de abordar a pesca naquele pesqueiro. Nas lojas de pesca, dá dicas aos amigos e partilha conhecimentos vários.
6. O trombudo:
Indivíduo indiferente às dificuldades ou mesmo aos pedidos de ajuda de pescadores jovens ou outros menos preparados e dotados tecnicamente, que procuram entreter-se próximo do seu pesqueiro. Não é caso raro ser mesmo antipático e arrogante para com estes companheiros de um patamar desportivo inferior.
7. O amigo da onça:
Fulano conhecido da loja da pesca, ou vizinho, que insiste em pescar connosco. Satisfeita a vontade, ao fim de um certo tempo descola e passa a ir à pesca com os amigalhaços para os novos pesqueiros descobertos à conta do incauto pescador que lhe deu a mão.
8. O rico:
Criatura endinheirada que se apresenta na pesca ao volante de um excelente Mercedes, BMW ou outra bomba que tal. No entanto, as canas e os carretos são da marca económica da Decathlon ou do chinês. Geralmente, vai ter com um conhecido e a primeira coisa que diz é que não havia sardinha no supermercado (ou que a casa de pesca para comprar o engodo de rio estava fechada) e vá de se pendurar no engodo e no isco do parceiro. No mar, leva para casa peixes agulhas, bogas, salemas e bodiões e diz que gosta muito. No rio, leva alburnos, percas e achigãs de mão-travessa, dizendo: “Fritinhos são muito bons”. Enfim, isto de chegar a rico e lá ficar tem que se lhe conte… Os pobres que o digam!
9. O bem disposto:
Companheiro que canta e assobia quando está à pesca e mantém a mesma alegria quando se lhe desferra um bom sargo, robalo, carpa ou achigã. Um dos melhores compinchas para as pescarias.
10. O resmungão:
Tipo que protesta por tudo e por nada (porque não dá peixe, porque o mar não está de feição, porque está vento, porque não saem os peixes da espécie desejada, etc.). E, o que é pior, geralmente fá-lo com o se o seu camarada de pescaria é que tivesse a culpa disso. Mais tarde ou mais cedo acaba por ficar a pescar e a resmungar sozinho.
11. O competitivo:
Criatura que se comporta numa pescaria normal como se estivesse num concurso. Esconde qualquer trunfo do camarada que está consigo e a sua principal preocupação é pescar mais e melhores peixes que o amigo, sem qualquer tipo de solidariedade ou de camaradagem. Por norma, ao fim de um certo tempo acaba sem companhia para a pesca, pois ninguém está para o aturar.
12. O concursista:
Especialista em concursos federados e de clubes. Tem em casa uma colecção impressionante de televisores, máquinas de café e outros artefactos para o lar, bem como taças e material de pesca de segunda categoria, ganhos como prémios nas provas em que participou. Quando vai pescar para matar o vício, sem ser em concurso, nunca assume que vai à pesca. Diz: “Vou treinar”.
13. O parasita:
Espécie muito comum em molhes e paredões, embora também possa aparecer nalgumas pedras e arribas mais concorridas. Quando topa qualquer pescador a engodar encosta-se o mais possível e manda a bóia ou a chumbadinha para o pesqueiro do parceiro, com toda a descontracção e atrevimento. Quando questionado, faz um ar de grande admiração e diz que a corrente é que é a culpada. Certos desavergonhados chegam mesmo a perguntar provocatoriamente: “Esse sítio está alugado, é?”. É um cromo repugnante.
14. O “azarado”:
Indígena que pensa que isto de pescar é arranjar uma cana e um carreto fatelas, pôr uma linha 0,50 e uns anzóis grossos e grandes (para apanhar peixe graúdo) e tocar de mandar para água com um isco qualquer. Depois queixa-se que tem azar, ou melhor, que os outros têm muita sorte, pois apanham peixe e ele não. E, coitado, persiste na pesca sem perceber o porquê dos outros continuarem a ter ”sorte” e ele não.
15. O fundamentalista:
Indivíduo com boa técnica de pesca e irrepreensível comportamento ambiental, fanático da pesca sem morte. Para ele, o cúmulo da modernidade e do politicamente correcto é devolver tudo à água. Isto, independentemente de ser perfeitamente legítimo e legal que as pessoas pesquem para comer, se assim o quiserem, desde que respeitem o que está legislado. Um grupo extraordinariamente sectário, neste aspecto, salvo as devidas excepções, é o do pessoal do carpfishing, que apelida de “mata carpas” qualquer velhote ou “ucraniano” que pescam para matar a fome.
16. O elegante:
Pescador que se apresenta no mar ou no rio quase com o fatinho domingueiro. É uma delícia ver este exemplar, geralmente na Primavera, com os seus sapatinhos de couro, nos paredões ou empoleirado nas rochas, à beira-mar, ou na beira-rio enlameada.
17. O tenista:
Fulano que não dispensa uns ténis avantajados e espalhafatosos na pesca, geralmente acompanhados de umas calças de fato de treino. Dá gosto vê-lo fugir das poças e dos salpicos das ondas, no mar, e da lama, no rio. Quando chove inesperadamente, então, é a cereja em cima do bolo.
18. O turiscador:
Personagem que tem uma cana e um carreto em casa e aproveita as idas da família à praia para pescar, nas rochas adjacentes à areia. De calções e de chinelos de praia, com o inevitável pacote de minhocas, entretém-se a apanhar um ou outro bodião e uns cabozes. No fundo, mais do que pescar, o que quer é fugir de aturar a mulher, a sogra e os miúdos nas loucas jornadas estivais de veraneio.
19. O tagarela:
Criatura pescante que mete conversa com o pescador mais próximo e nunca mais se cala. Começa por rememorar pescarias várias e acaba a dizer mal da mulher, da sogra, do genro e daquele tipo que está à pesca 30 metros ao lado.
20. O pesador:
Indivíduo que afirma para os amigos, com toda a convicção: “Fugiu-me um robalo de quatro quilos!”. Normalmente, a nossa balança mental (quem já não “pesou” peixe fugitivo?) só tem números redondos: três, quatro, cinco, seis quilos… Enfim, uma especificidade normal da pesca.
21. O “ucraniano”:
Epíteto geralmente dado a qualquer indivíduo estrangeiro natural da Europa de Leste (ucraniano, croata, checo, kosovar, romeno, etc.) que pesca nas nossas águas. Contrariando a teoria de que não somos xenófobos ou racistas, alguns pescadores nacionais (que se reclamam da pesca sem morte) atribuem a esta rapaziada quase todos os males da pesca de rio, designadamente a falta de peixe, quando os desgraçados (na maior parte das vezes e salvo uma ou outra excepção) só querem apanhar uns exemplares para comer, o que é perfeitamente legítimo e não põe em causa coisa nenhuma.
22. O caçador:
Fulano essencialmente amante da caça, que também pesca quando o desporto de Santo Huberto está interdito. Transplantando os hábitos da caça para a pesca, junta dois ou três amigos e acaba tudo numa valente grelhada de entrecosto e entremeada, mais salada, queijo, chouriço, azeitonas e fruta da época. Pescador que não cace e se queira juntar esta rapaziada pode ficar a saber que nas longas viagens de ida e volta, no carro, não ouvirá uma palavra sobre peixes. Serão só coelhos, lebres, perdizes, codornizes e javalis.
23. O consumista:
Longe vão os tempos em que os conolons e os velhinhos carretos Sagarra, Mitchell ou Noris Shakespeare duravam que se fartavam. Hoje, o material está feito para durar muito menos tempo e vai variando mais frequentemente, até pelo avanço da tecnologia. No entanto, há sempre quem abuse. Quem não conhece um daqueles cromos que compra toda a novidade de canas e carretos que aparecem no mercado? Às vezes, nas lojas de pesca, é ouvi-lo dizer: “Tenho uma cana xis, da marca tal, há quatro anos, e ainda não a estreei”.
24. O “lojista”:
Pessoa reformada, ou activa fora das horas de expediente, que faz das lojas de pesca uma espécie de centro de convívio. Tanto como pescar (ou mais ainda...) gosta do ambiente das casas de pesca, de ver e mexer no material e de passar horas à conversa com os clientes que aparecem. Normalmente é um bom contador de histórias.
25. O noctívago:
Indivíduo que pesca essencialmente à noite, ao fundo, quando o mar está revolto, perseguindo em particular os grandes robalos; ou praticante de bóia com starlight, à procura de sargos e robalos ou carapaus, consoante a época e os pesqueiros. Entre estes homens sem sono destacam-se excelentes pescadores. Alguns, porém, simplesmente não suportam o ressonar da mulher e tentam fugir-lhe o mais possível.
26. O coca-iscos:
Companheiro fanático por iscos fatais, que acredita que os melhores são os mais difíceis e menos práticos de arranjar, seja por meios próprios seja por encomenda. Alguns embrenham-se tanto em conseguir o isco ideal, à beira-mar, que passam mais tempo de cócoras do que a pescar.
27. O off-shore:
Indígena que geralmente descobriu a pesca tarde e, sem nunca ter pescado de terra, começou logo a pescar embarcado, “pois de barco é que se apanha muito peixe”. Quando se pergunta o que pescou, diz: “Saíram quatro pargos e uns besugos bons”. E perguntamos: “Pescaste isso?”. E o tipo: “Não, foi no barco todo.” E nós: “Mas tu, o que é que tu pescaste?”: E ele: “Umas safias, umas fanecas, uns carapaus que já tinham um palmo”. E nós: “ Então e bogas?”. E ele: “Uuuuh… mas, por acaso, a minha sogra até gosta delas grelhadas ou fritas”.
28. O arriscado:
Pescador que tem uma fixação por pesqueiros de difícil acesso e de condições precárias, partindo do princípio (falível) que são esses que proporcionam as melhores pescarias. Está mais exposto aos acidentes, quantas vezes trágicos, que infelizmente e com uma certa frequência vão acontecendo entre nós.
29. O fanfarrão:
Maduro que pesca muito esporadicamente, no Verão, em barragens, com um grupo de patuscadas abundantemente regadas com minis ou tintol, e que desafia o vizinho, pescador regular e pessoa simpática, para uma pescaria, “para o amigo ver o que é tirar peixe!”. O convidado, educadamente, diz que “sim, pois, agora não posso, havemos de combinar...”. E, claro, passa a evitar este cromo, pois não está para aturar gente amalucada e bebedolas.
30. A máquina:
Aquele tipo que todos nós gostávamos de ser. Quando chegamos ao pesqueiro, ele está num local próximo com um peixe ferrado. Enquanto montamos o material ele continua a tirar peixe. Começamos a pescar e ele… vira-te. Continuamos a pescar e ele sempre a tirar com grande ritmo. Quando acabamos a pescaria estamos cansados de ver o parceiro sempre em grande acção. Uff e… chapeau. Viva a pesca!