A coisa passou-se assim:
Prometi aos meus netos, Noémia e Afonso, gémeos de oito anos, e após grandes insistências deles nesse sentido, que iria com eles ao cinema ver um filme em voga e de grande impacto junto da petizada.
A matiné ficou uns dias em suspenso. E quando finalmente telefonei para o cinema do centro comercial onde o filme ainda era exibido, para marcar bilhetes para o dia seguinte, foi-me dito que a fita sairia de exibição justamente nessa data. No entanto, a simpática bilheteira disse que me avisaria se houvesse alguma alteração.
Quando dei a notícia aos miúdos eles ficaram arrasados. A Noémia desatou a chorar que nem uma desalmada. E o Afonso também não conseguiu conter o saco lacrimal.
E a coisa prolongou-se. A choradeira não parava.
Foi então que…
Foi então que me lembrei de remediar o desastre.
- Deixem lá. - Disse eu. - Como não há filme, aproveitamos e vamos à pesca.
- Não! – Exclamou de pronto a Noémia.
- À pesca? … - Interessou-se o Afonso.
- Sim. Finalmente vais poder pescar uma ou mais carpas, em vez das pequenas abletes com que te costumas entreter. O avô prepara-te as coisas para isso.
- Carpas, avô!?. Ei… isso é bué da fixe!. – Exclamou o pequeno “índio” entusiasmado.
- Não! – Repetiu, por sua vez a Noémia.
- Sim, sim! – Ripostou o Afonso.
Perante o impasse, resolvi tirar mais um coelho da cartola.
- Olha Noémia, se formos à pesca podes guardar uns peixinhos num balde com água e, depois, em casa pomo-los num aquário.
- Nós não temos aquário. – Respondeu-me.
- O avô compra um ainda hoje. Então, que me dizes?...
- E eu, depois, posso dar de comer aos peixinhos? – Perguntou a pequenita já com um sorriso a aflorar-lhe nos lábios.
- Claro! Depois tratas deles. Dás-lhes de comer, mudas a água do aquário, podes levá-los para o teu quarto. Então, vamos à pesca ou não?...
- Vamos, vamos! – exclamou, rendida, a Noémia.
Foi então que…
Foi então que o telefone tocou. Era a simpática bilheteira, a informar que o filme, afinal, ficava mais um dia em exibição.
- Dei a boa notícia aos meus netos e preparava-me para confirmar as marcações, quando a Noémia me agarrou na manga do casaco e me disse, baixinho:
- Avô, não marques os bilhetes. Diz que estamos doentes… Vamos antes à pesca.
Assim fiz, divertido pelo facto do remedeio acabar por ser mais atractivo que o programa inicial.
E foi então que me lembrei da história da tartaruga, do grande (aliás, enorme… aliás, enormíssimo) humorista brasileiro Millôr Fernandes, falecido em 2012, aos 88 anos, após uma vida criativa extraordinariamente activa e brilhante.
Vale a pena resumir a historieta:
Um menino tinha uma tartaruga que morreu, o que provocou um berreiro infindável ao miúdo. O pai, para compor as coisas, sugeriu um funeral lindíssimo para a tartaruga, o que teve o efeito de não só parar o pranto do petiz como de entusiasmá-lo para o extraordinário evento. Mas quando o rapazinho foi buscar a tartaruga para iniciarem os preparativos para o funeral, deu com ela ainda viva e bem viva. – Que bom, não vamos que ter fazer o funeral. – Disse o pai. – Vamos sim, papai. – Disse o menino, pegando numa pedra grande. - Eu mato ela.
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PS: Era para meter uma resenha final sobre a vida e a obra do enormíssimo Millôr Fernandes. Mas penso que é melhor os amigos irem à Net, ao Google, e pesquisarem este autor. Vão ver que vale a pena. Ainda se vão rir muito…