Desci a minha rua, virei a esquina e parei à porta da loja de pesca.
- Amigo Zé, então como foi ontem?
- Sargo e sargo. Não eram muito grandes, tinham todos à volta dos 400 gramas.
Mentalmente, fiz a conversão. Teriam à volta dos 150/170 gramas, ou não tivesse eu, em tempos, pescado com este simpático pescador e assistido às divulgações exageradas de pescarias passadas ao meu lado.
Entretanto, chegou o Lacerda.
- Ontem, um tipo, na Expo, tirou uma corvina que tinha mais ou menos a minha altura. Grande bicha!...
Mentalmente, fiz a conversão. A corvina, tanto quanto eu conhecia o Lacerda, teria mais ou menos um metro.
- Amigo Barradas, venha cá. – Disse eu para um conhecido que saía do café em frente. - Então, que tal a pescaria no Domingo passado?
- Apanhei meia dúzia de achigãs, todos bons. Todos à volta do quilo. E havia um que era peixe para quase quilo e meio.
Mentalmente, fiz a conversão. Conhecendo eu bem o Barradas, podia apostar que os achigãs andariam pelo meio quilo, sendo que o maior teria uns 750 gramas.
De dentro da loja, com uma saqueta de anzóis ainda na mão, saiu o Correia. – Então, então, já sei que encheu o saco de bailas, a corricar na aberta da lagoa. – Disse eu.
- É verdade. Assim que se pôs o sol, era cada lançamento cada baila. A maior parte à volta do quilo. E ainda apanhei um robalo com quase três quilos.
Mentalmente, fiz a conversão. Segundo o meu conhecimento do porreiríssimo Correia, as bailas andariam pelo meio quilo e o robalo teria quase dois quilos.
Demos mais uns dedos de conversa e despedi-me. Comprei o Diário de Notícias, no quiosque da esquina, e fui lê-lo para o café.
A citação que diariamente o jornal traz, ao cimo da primeira página, antes mesmo do cabeçalho, chamou-me especialmente a atenção. Dizia:
“O exagero é a mentira da gente honesta”, Joseph Maistre (1753-1821).
- Livra!, exclamei eu mentalmente. Nem de propósito...
Curioso, já em casa, fui pesquisar a Internet sobre o autor da citação.
Fiquei a saber que foi escritor francês, também filósofo, diplomata e advogado. E que foi um dos arautos mais influentes do pensamento contra-revolucionário no período imediatamente seguinte à Revolução Francesa de 1789.
Fiquei também a saber que é o autor da célebre frase: "Cada povo tem o governo que merece". E de uma outra, horrível, da qual discordo , mas que em certa medida compreendo: “Não sei como é a vida de um patife, nunca o fui; mas de a de um homem honesto é abominável.”
Voltei a pensar na pesca e nos pescadores meus conhecidos, mais os seus exageros, ou, segundo Joseph Maistre, as suas mentiras de gente honesta.
E dei por mim a sentenciar de mim para comigo:
Ora, ora, quem nunca exagerou que atire a primeira pedra.