- Sabes, Felisberto, eu não quero morrer…
- Grande novidade, pá. Ninguém quer, exceptuando um ou outro suicida.
- Pois, mas sabes como é… Ultrapassados os 60, e depois de vermos partir pessoas chegadas, familiares e amigos, começamos a pensar no fim. Eu, como toda a gente, mais do que medo da morte tenho medo de cair numa situação de dependência, de mera sobrevivência básica, despojado das actividades que me dão alegria à existência, como a pesca.
- Não penses nisso.
- Penso, penso. E, às vezes, dou comigo a pensar: se existe vida para além da vida terrena, se existe o paraíso, eu, que sou boa pessoa, vou para lá, de certeza; e então, no paraíso, que será a possibilidade de termos as satisfações supremas, de certeza que a pescarias celestes serão divinais; e, a esta luz, penso que morrer, afinal, até é uma bênção.
- Visto dessa maneira…
- Só que, agora, pensando melhor, já não quero morrer.
- E então essa coisa do paraíso e das pescarias divinais?...
- É assim, Felisberto, sabes onde moro?... Pois… Saio de casa, dou meia dúzia de passos e tomo o café. Depois, dou mais meia dúzia de passos e compro o jornal. Ando mais uns metros, passo pela loja de pesca de Paulo e tenho logo conversa com os pescadores conhecidos que por lá estão, nem que sejam apenas o Zé e o Amândio, que praticamente vivem lá acampados.
- Sim, mas e o paraíso?...
- Calma… Como sabes, à noite, eu e mais quatro ou cinco companheiros de pesca encontramo-nos, no café da praceta.
- E então?...
- Falamos de pesca e combinamos pescarias. Aliás, já tens ido connosco.
- Sim…
- Ainda no sábado passado fomos para o Pego do Altar, no SUV do Ribeiro. Acontece que ao almoço o Ribeiro grelhou um entrecosto, umas coxas de frango, uma morcela e umas linguiças, que tinha trazido da terra, para o pessoal todo. O João levou o vinho. No fim, houve um belo queijo e fruta, cortesia do António. Eu paguei os cafés, em Santa Susana. No Domingo fizemos contas com o Ribeiro. Gasóleo e pão alentejano – seis euros.
- …
- E foi então, que passado um bocado, já em casa, a olhar para o gato, dei comigo a pensar: morrer para ir para o paraíso?... Ná… Descontando a situação política e social, mais a malfadada austeridade, que me vai comendo a reforma, no paraíso vivo eu.