- Olha, é o Henrique!...
- Pois é. E o pesqueiro é a Norte da Ericeira.
- Grande foto. – Disse eu para o Ribeiro, meu amigo e companheiro de pescarias, enquanto fixava a imagem a preto e branco do nosso comum amigo Henrique. Estava na ponta de uma lage, em acção de pesca, debaixo de um magnífico céu carregado de nuvens e sob a luz diáfana do suave entardecer que antecede o pôr-do-sol.
- Isto está uma maravilha.
- É verdade, Ribeiro. Em boa hora a federação e a associação dos pescadores lúdicos e desportivos decidiram promover esta exposição. Não podia estar melhor.
Com efeito, a exposição “Diálogos com a Natureza – Cenas de Pesca à Linha”, centrada nos vários tipos de pesca e de pescadores, no mar e no rio, estava a ser um êxito inesperado.
A galeria, uma das mais importantes da capital, registava sucessivas enchentes. E o mais curioso é que a afluência ia muito para além dos pescadores. As fantásticas imagens da Natureza que enquadravam as cenas de pesca constituíam um apelo irresistível para o público.
- As fotos maiores, a preto e branco, são de alunos do último ano de fotografia de uma escola superior de arte e design. – Informou-me o Ribeiro. - As coloridas são de amadores com trabalhos publicados num conhecido site de fotografia da Internet.
Concentrei-me na foto de uma garganta escarpada com um riacho no fundo, onde se vislumbrava um pescador de trutas. – Olha-me para esta foto!... A paisagem esmaga e reduz o pescador a mais um elemento da própria Natureza. – Disse eu, impressionado com a qualidade artística e a semiótica do trabalho.
- Ai que coisas tão grandes têm os pescadores!... – Ouvi, atrás de mim, a uma jovem, espantada com o tamanho das varas de pesca à francesa, numa prova de pesca. Ao que uma amiga logo acrescentou, cavalgando a onda da brejeirice subentendida. – O meu Amílcar é que devia ter uma dessas, mas a cana dele é das pequenas... Seguiu-se uma sonora risota das moças, acompanhada de sorrisos das pessoas à volta.
Enquanto percorria a exposição ia pensando que as imagens, enquadradas em fotos artisticamente captadas, adquiriam uma expressividade e uma força das quais nós, pescadores, não nos apercebíamos em toda a sua gloriosa extensão, ao vivo, em locais e circunstâncias semelhantes. E filosofei, para comigo: A vida é a vida. E a arte é a reinvenção criativa da realidade, destacando-lhe a beleza.
- Para o mês que vem a exposição vai entrar em itinerância e passar por todas as capitais de distrito do país. E há muitas outras localidades que já mostraram interesse em acolhê-la – Disse-me o Ribeiro, enquanto nos detínhamos junto à foto de uma família deliciada a olhar um petiz que exibia, com uma alegria transbordante, uma perca recém pescada.
- A sério!?... – Disse eu, acrescentando: - Mas isto é uma coisa muito bem organizada.
- Então pá, a nossa federação, conhecida por ser uma excelente organizadora de provas internacionais no nosso país, não ia desperdiçar uma oportunidade destas de se afirmar culturalmente e de dignificar a pesca perante a sociedade.
- Tens razão. – Concordei.
- E, para além do trabalho do departamento de comunicação e acção cultural da federação, temos que acrescentar o empenho da secção de relações públicas da associação. E, também, o apoio de praticamente todas as marcas de material de pesca presentes no pais.
- Excelente.
- E acresce, ainda, o apoio recolhido na comunicação social. Não te esqueças que a exposição é patrocinada por uma rádio nacional, por um grande jornal e por um canal televisivo generalista. Isto fez com que a exposição tivesse uma grande divulgação nos media.
- Grande trabalho. – disse eu.
Deambulando, encontrámo-nos perante uma foto que exibia em primeiro plano um par de rolinhas do mar, debicando numa rocha. Em segundo plano, ligeiramente desfocado, lá estava o pescador, rodeado por uma extraordinária panorâmica de mar verde-azulado, com um chapão de céu azul forte em cima.
- Soberbo!... Disse eu, tocando no braço do Ribeiro, cuja atenção se centrava noutro ponto.
Foi então que reparei que uma foto, de um grupo de pescadores num barco que parecia, numa ilusão de óptica, ir ser engolido por uma onda, estava torta.
Aproximei-me e tentei endireitar o quadro. Mas fi-lo desajeitadamente. E a foto e a moldura caíram com estrondo. Baixei-me, para remediar o estrago, mas bati com a cabeça no expositor e derrubei-o. E, pior ainda, este ao cair derrubou com estrondo outros três. Virei-me para me desculpar perante a pequena multidão que me olhava furibunda, e então vi dois seguranças ameaçadores virem na minha direcção.
- Não foi por mal, não foi por mal! – Gritei, desesperado.
Foi então que acordei.
Estava sentado no sofá e tinha em cima das pernas o meu álbum de fotografias da pesca. Tinha adormecido a recordar pescarias passadas a deliciar-me com as belas paisagens associadas.
Passados uns segundos e um valente bocejo, disse, para comigo: Com que então uma exposição... Não querias mais nada.