- Então como vai o Félix?
- Está melhor. Agora só come comida para gatos doentes do fígado. Já voltou ao normal. – Disse o jovem Nélson para o sogro, o Sr. Sousa, enquanto separavam o asticot, no clube, antes de rumarem, ainda de madrugada, para uma prova na Barragem do Maranhão.
- Ias matando gato com carpas, salemas e taínhas, Nélson. Mais um pouco e tínhamos divórcio… – Disse Bonifácio, outro pescador do clube, enquanto atava o saco dos bichos.
- Não me digas nada, Bonifácio. A Sandra ainda hoje me chateia por ter posto o gato a comer peixe às carradas. E se ele gostava!...
No caminho para Avis, Bonifácio explicou ao curioso Maurício, com quem dividia o transporte, a história do gato Félix.
- Tudo começou quando o bom do Sousa um dia chegou a casa e deu de caras com um puto cheio de piercings, colega de faculdade da filha Sandra. O homem ficou preocupado.
- Não estou a ver…
- Então, Maurício… A Sandra é filha única e o ai Jesus do Sousa. Ele ficou preocupado porque não concebia a ideia que a filha pudesse enrabichar-se por um tipo cheio argolas na boca, nas orelhas, no sobrolho e sabe-se lá mais onde.
- Sim, mas e o gato?
- Calma… Passados uns dias, o Sousa descobriu lá por casa um espécime humano de cabelo rapado e cheio de tatuagens. Ele era braços, ombros, pescoço e sabe-se lá mais o quê. Ficou ainda mais preocupado.
- É então que entra o gato…
- Não. Tempos depois, apareceu-lhe em casa um puto barbudo e com uma cabeleira até meio das costas, de auscultadores nos ouvidos, olhos meio vidrados e movendo ritmadamente a cabeça, como se estivesse atacado pela doença de Parkinson. A preocupação aumentou.
- Sim, mas onde é que entra o gato?
- É já a seguir… Um dia o Sousa é surpreendido com a visita de um colega da filha que não tinha piercings, tatuagens ou movimentos estranhos de carola. Um puto normalíssimo, cabelo curto e lavado, ar certinho, alegre… O Sousa mira-o de alto a baixo, dá meia volta e vê-lhe estampado nas costas da t-shirt a seguinte frase: “ Pesca é a minha paixão”.
-…
- Mete conversa com o rapaz e descobre que ele é pescador desportivo. Fica maluco. Um tipo assim é que lhe convinha para genro, pensou. Na visita seguinte, para estudar com a filha, o catraio aborda o Sousa e pergunta-lhe o que há-de oferecer à Sandra no aniversário, que era daí a dias. Aí, o nosso amigo não resiste e atira uma cartada decisiva. Diz: “Ofereça-lhe um gato”. O puto fica espantado. “Um gato, Sr. Sousa?”. Ao que o pai casamenteiro respondeu qualquer coisa como isto: “Sim, meu amigo. A Sandra desde miúda que quis ter um gato. Porém, eu e a mãe nunca autorizámos, para não termos maçadas e para não arranjarmos mais uma distracção à moça, que tinha tendência para se dispersar em prejuízo dos estudos”.
- E o puto, o Nélson, ofereceu-lhe o gato.
- Exactamente, um gatinho preto com malhas brancas. A Sandra ficou louca de alegria e muito tocada com a oferta. A partir daqui, as versões divergem. As pessoas mais ligadas à família da moça crêem que o gato foi comprado numa loja fina de animais. Os conhecidos do Nélson juram a pés juntos que o Nelsinho das garotas, como era conhecido no meio mais chegado, tinha pura e simplesmente roubado um dos gatinhos da Fernanda peixeira, sua vizinha e fornecedora de sardinha para engodo, numa das vezes que foi lá a casa namoriscar-lhe a filha Vanessa.
- O Nélson!? O nosso companheiro da pesca Nélson!?
- Nem mais. O bom do Nelsinho era não só um índio de primeira mas também um mulherengo de alto coturno.
- E o Sousa?... Não tomou conhecimento desse facto?
- Parece que não. Entretanto começaram a ir à pesca juntos e, passado cerca de um ano, houve casório. Entretanto, o bom do Nélson, foi enchendo o Félix de carpas, barbos, taínhas e salemas, até que o gato ia morrendo com uma doença de fígado.
Duas viaturas atrás, rodando entre Coruche e Mora, Fonseca questionou o seu grande e íntimo amigo Sousa, concentrado na condução.
- Então, o teu genro já perdeu a mania das conquistas.
- Não me digas nada. Estou farto de concursos e treinos, no mar e no rio. Mas tem de ser. Tenho que manter aquele pardal ocupado, senão…
- Senão aparecem-te mais umas fabianas a queixarem-se do Nelsinho das garotas.
- Cala-te, pá… Se a minha filha ou a minha mulher soubessem que nas vésperas do casamento tive que despachar três despeitadas, quem era posto fora de casa era eu.
- Quem te mandou a ti dares aquela dica do gato…
- E não sabes a melhor… O sacana, lá onde roubou o bichano, não teve cuidado nenhum. O gatinho vinha cheio de pulgas! Eu é que dei por isso e, às escondidas, tive de lhe dar banho com um desinfestante, para compor a coisa.