- Não dá nada, Nã Jó.
- Pois não, hoje as enguias não querem nada connosco.
- Vamos embora?...
- Eh pá, vamos fazer-nos aos caralhudos. Aquilo é bom fritinho.
E foi assim que eu e o meu amigo e vizinho Fernando Jorge, em meados dos anos 60 do século passado (tínhamos para aí 12 ou 13 anos), recolhemos as linhas de mão e as colocámos encostadas a um dos pontões da Ribeira das Naus, ao Cais do Sodré, em Lisboa. Para nos fazermos, em desespero de causa, aos caralhudos que por lá abundavam.
Os feios e roliços peixinhos colaboraram em grande, ao contrário das enguias. Acabada a pesca, fiquei com um problema, que partilhei com o Nã Jó.
- Olha lá, como é que tu dizes à tua mãe que estes peixes se chamam?
- Caralhudos.
- E ela, não diz nada, não se chateia?
- Não.
Fiquei mais descansado. A família do Nã Jó era um nadinha mais fina que a minha, dado o pai ser escriturário na então Tabaqueira, ao contrário do meu, que trabalhava, de fato-macaco, numa espécie de oficina dos Correios. Eles até já tinham televisão lá em casa, o que na altura fazia muita diferença. Portanto, se a mãe dele se aguentava ao nome do peixe, a minha mãe também não devia estrilhar, pensei eu.
E foi assim que a quando a minha mãe me perguntou que peixes eram aqueles, eu respondi:
- São caralhudos.
- O quê!?... Não pode ser. Têm que ter outro nome!
- Bom, também são conhecidos por caralhetas.
- Disparate!... Não quero que chames esses nomes aos peixes. Isso aí são mas é cabozes.
- Não são, mãe. Os cabozes não têm escamas. E a cabeça não é tão roliça, tão achatada.
- Isso não me interessa nada, aqui são cabozes. E pronto!
- Mas, oh mãe, não são...
Abespinhada, a minha mãe vestiu o casaco e convocou-me para ir com ela à praça. Antes, porém, pegou num dos peixes pelo rabo, com a ponta do polegar e do indicador, dizendo:
- A Amália vai já esclarecer este assunto.
Acto contínuo arrastou-me para duas portas ao lado da minha casa, para a peixaria, onde entrou toda pimpona.
- Oh D. Amália – Disse, muito hirta, com o braço esticado e o peixe entre os dedos. – Que peixe é este?
- Oh D. Teodora isso é um peixe *alho. - Disse a peixeira, soltando uma risadinha.
Olhei de soslaio para a minha progenitora, que se esquecera que a Amália, como qualquer peixeira daquele tempo, não tinha pruridos em empregar qualquer vernáculo, por mais puro e duro que fosse.
- Oh!!!... Fez a minha mãe, muito corada e com ar de quem se tivesse ali um buraco se enfiaria nele.
- Vamos embora, vamos embora... Adeus Amália, obrigado.
E, na rua, ainda mais apressada que o costume, ergueu o dedo indicador da mão direita na direcção do meu nariz e disse, solenemente:
- O raio dos peixes são cabozes, ouviste?... E ai de ti se te ouço chamar-lhes outra coisa.
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Nota: Este é o relato fiel de uma história verídica.