- Olá, André… Mas nem pareces tu… Estás um perfeito maltrapilho. E com a mochila às costas, com o balde e essa essa espécie de lança na mão, pareces saído de um daqueles filmes-catástrofe de Hollyood.
- Ora, Mafalda, fui simplesmente à pesca.
- Nota-se… Pfffuuuu, que cheiro a sardinha… E então, pescaste alguma coisa?
- Três sargos.
- Que peixes são esses? Mostra lá… Ah!, parecem umas douradinhas…
André convidou a colega de liceu para uma bebida no bar da praia. Arrumou o material a um canto, demorou-se a lavar as mãos e a cara, e depois sentou-se na mesa que a rapariga escolhera, junto à janela, com o mar em fundo.
- Não sabia que eras pescador. – Disse Mafalda, com aquele sorriso aberto que lhe acentuava umas curiosas covinhas na face, no enfiamento dos lábios, pequenos locais mágicos onde o rapaz perdia fatalmente o olhar, desde que a conhecera, na escola, há um par de anos.
- Então, não me olhes assim… Diz-me: quando é que te tornaste pescador?
André estava cansado da faina desportiva no fundo das arribas que enquadravam o areal. E descontraído. Uma descontracção que era um misto de lassidão e de profundo bem-estar. Ao longo de dois anos nunca fora capaz de dizer a Mafalda que a achava especial e que queria passar algum do seu tempo com ela, conhecê-la, planearem coisas juntos, serem íntimos. Enfim, curtirem.
E estava mergulhado nestes pensamentos quando se apercebeu da cara expectante da colega, da sua expressão intrigada, do seu olhar interrogador. Ah, sim, ela tinha-lhe perguntado qualquer coisa, não se lembrava já o quê, mas sabia que isso não tinha importância nenhuma face a tudo o que lhe queria dizer.
- Mafalda, excitas-me tanto…
- O quê!?... O que é que disseste?...
Raios, não era aquilo que queria dizer… ou se calhar era. Mas não era o que devia ter dito. Corou e começou a pensar como deveria emendar a mão. Mas as palavras pareciam sair-lhe da boca sem o crivo dos neurónios que lhe povoavam a cabeça. Pareciam ter vida própria… E voltou a surpreender-se e a ruborizar-se ainda mais com o que disse a seguir.
- Era capaz de fazer amor contigo durante horas e horas.
- André!!!...
Mafalda tinha a boca e os olhos muito abertos, uma expressão de incredulidade no rosto e as faces rubras como tomates.
André fixou atentamente a cara da rapariga, com a respiração suspensa de um movimento muscular da face da parceira. Como seria a reacção seguinte? Então notou que, na verdade, para além de ela ter a boca e os olhos muito abertos, uma expressão de incredulidade no rosto e as faces rubras como tomates, os cantos da boca estavam ligeiramente levantados, naquilo que era um leve sorriso. De súbito, descortinou que o sorriso se alargava um pouco mais. Então teve medo que o sorriso continuasse a crescer e que se transformasse numa gargalhada. E sentiu um forte aperto no peito. Depois, respirou de alívio ao ver que a reacção não ia no sentido da gargalhada.
Mafalda fechou a boca, conservou o sorriso, aliás fez um outro sorriso, ficou com aquele ar doce que ele já lhe tinha descortinado em ocasiões anteriores e passou os olhos pelo mar, antes de dizer, quase num murmúrio.
- André, isso dito assim, de chofre, é um pouco chocante… Caramba, podias ter floreado mais a coisa. Sempre soube que tinhas um fraquinho por mim. Os teus olhares sempre te denunciaram. Enfim, estou um pouco perturbada e sem jeito, como compreenderás…
A partir daqui, a conversa já nada teve de imprevisível ou chocante. Prosseguiu num tom baixo, com os rostos próximos, as mãos movendo-se até se tocarem e entrelaçarem.
- Mas onde é que arranjastes os sargos? - Perguntou Mariana à filha.
- Foi o André que os pescou e mos deu. A propósito, ele vem cá estudar comigo, amanhã à tarde.
- Amanhã, filha… Logo quando eu vou à consulta, a Lisboa, e vou estar a tarde inteira fora?...
- O teste é depois de amanhã, mãe. Tem de ser, tem de ser... – Disse Mafalda, estrategicamente de costas para Mariana e com um sorriso travesso a toda a largura da cara.