Os tempos eram outros (há 20 anos ou mais) e aquele era um concurso e tanto.
Parte das zonas da prova, organizada já não me lembro porque clube, espraiavam-se do lado da vila de Coruche até ao fim da vinha que por lá havia, acima da praça de touros. E na outra margem havia mais zonas. Do açude até, pelo menos, à ponte.
Foi a única vez que me lembro de serem utilizadas as duas margens do rio para uma prova. Depois, com a entrada em funções da pista de Santa Justa, nunca mais houve necessidade de tal solução, problemática em termos de pesca e, até, perigosa.
Calhei frente à vila e fui tirando uns barbitos, como grande parte dos pescadores que estavam na minha zona. À beira do fim, ferro um barbo com bem mais de um quilo. Esforcei-me para que não invadisse o pesqueiro do lado esquerdo, mas em vão.
Preparava-me para devolver o peixe à água, quando o companheiro cujo pesqueiro tinha sido invadido me dissuadiu de o fazer. “Ponha o peixe na manga, amigo. Com um barbo desses não tinha alternativa. Faça favor”.
Agradeci, aproveitei a gentileza e fixei melhor o simpático pescador. Era um jovem, com cerca de vinte anos, aproximadamente metade da minha idade, do CAP de Setúbal.
O segundo ou terceiro lugar na zona permitiu-me ganhar um anzol de ouro. Facto que, apesar de não me ter deslumbrado, me soube muito bem (sempre é um prémio mais adequado, significativo e elegante que um televisor, uma maquineta de café ou um presunto...). Mais impressionados que eu com tal troféu ficaram os meus familiares e amigos.
Cerca de dois mais tarde voltei a ter o privilégio de ficar ao lado do mesmo jovem, numa prova do regional de clubes da Associação do Centro, em Santa Justa.
E, meus amigos, fiquei simplesmente maravilhado com os seus progressos técnicos. Encostava a bóia aos ramos das árvores da margem contrária com uma facilidade impressionante. A minha bóia, embora eu me considerasse um bom lançador, ficava uns dois ou três palmos aquém da dele. A fisgar era outro portento. Bolas de bicho praticamente em cima da bóia.
Fez primeiro da zona, claro. A grande distância do segundo, que por acaso fui eu, com poucos gramas de diferença do terceiro e do quarto classificados.
O nosso reencontro foi uma festa.
Um ou dois anos mais tarde voltei a encontrá-lo ao balcão de uma loja de pesca que então havia em Cacilhas (já encerrada há bastantes anos), ao lado de uma capela.
Nova festa, como não podia deixar de ser.
Comprei-lhe uma cana telescópica de quatro metros, muito fina, e aceitei a sua sugestão de a transformar numa cana de inglesa, para pescar curto. Mandei pôr-lhe um cabo em cortiça e acrescentar-lhe passadores. Ainda hoje pesco com ela.
Depois destes encontros, nunca mais voltei a ver o gentil parceiro.
Ano após ano, sempre que topava com o anzol de ouro invectivava-me por nunca ter perguntado o nome ao jovem que, na prática, mo oferecera.
Durante perto de 15 anos de competição de rio (a nível regional, entenda-se) fiz alguns conhecidos, mas nenhum amigo ou conhecimento mais forte fora do círculo dos clubes que representei.
A não ser o jovem do CAP de Setúbal.
Daí a minha mágoa ser ainda maior, por não lhe poder dar um nome.
Até que...
Recentemente, estando eu na loja “Bem Pescar”, em Moscavide, do meu estimado amigo Basílio (um ex-companheiro de clube), eis que entra um vendedor, que me cumprimentou como se já se tivesse cruzado comigo. Eu também tinha uma vaga ideia de o conhecer.
Às tantas ouvi a palavra Setúbal, no diálogo entre eles. Interrompi-os, de chofre, e perguntei ao recém-chegado:
- O amigo é do CAP de Setúbal?
- Sou.
- Então deve conhecer um rapaz do CAP que trabalhou numa loja em Cacilhas.
- Sou eu.
Trinta quilos a mais e metade do cabelo a menos (de parte a parte) levaram a que não nos tivéssemos reconhecido imediatamente.
Este reencontro não foi apenas uma festa. Foi uma festa muito emocionada e culminada com um grande abraço.
A nota menos grata é o facto do meu amigo ter deixado a competição e mesmo a pesca de rio, há cerca de oito anos, para não prejudicar muito a vida familiar. É uma pena, pois é um pescador de inglesa fantástico.
Finalmente, caros companheiros, sinto-me mais leve.
Saiu de cima de mim o peso de não saber o nome do homem do anzol de ouro.
BALSINHA!... Chama-se BALSINHA.
É funcionário da Anaquático e vende produtos NBS.
Nunca o esquecerei.