Procópio Silva, setenta e muitos anos, passava parte do dia sentado no sofá, a contemplar os netos, enquanto recuperava de um AVC.
- Oh avó, de vez em quando o avô olha para nós e diz baixinho: “Fiz bem”. Outras vezes está a olhar através da janela e diz: “Não sei se fiz bem se fiz mal”.
- Não liguem, são coisas de velho. – Disse a avó, a D. Idalina.
Sentado no sofá, Procópio Silva visitava o passado de forma recorrente. Especialmente o baile de abertura da época de Verão de 1960, na sociedade recreativa do bairro.
- A menina dança?
Ela disse que sim. Ela era Ana Margarida, uma vizinha muito recente. E que vizinha! Loura, olhos azuis, lábios carnudos, busto generoso e pernas de fazer inveja a muitas coristas do então glorioso Parque Mayer. A “química” foi imediata.
Procópio sabia que tinha agir rapidamente. Daí a pouco chegaria Idalina, a sua namorada, nem feia nem bonita, nem loura nem morena, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra. Era tão só “uma boa rapariga”, como frisava diariamente a D. Maximina, a mãe de Procópio.
À sexta dança, ele fingiu uma indisposição.
- Não sei o que é isto, mas dói-me o peito. Vamos para o jardim apanhar ar.
O “jardim” da colectividade era tão só um quintalito. Mas enquanto Ana Margarida lhe esfregava o peito e lhe acariciava o rosto, ele sentia-se nos jardins do Palácio de Queluz.
- Ah, já estás melhor!… – Disse ela, quando sentiu as mãos dele amarinhando dentro da blusa.
Passados alguns minutos e meia dúzia de beijos ardentes, Procópio, imaginava-se já não em Queluz mas nos jardins de Versalhes. Ofegante, tratou de combinar um encontro para o dia seguinte, um domingo.
Iriam até Chelas, para um pic-nic na mata adjacente. A Idalina que arranjasse outro…
Foi então que surgiu o Ilídio, o fanhoso lá da rua.
- Ô Pffffcópio, ‘ens ‘ma chamada no ‘abinete da ‘irecção.
Era o Santana.
- Eh pá, está a dar linguado na Cova do Vapor. Apanhei mais de 20, todos acima do meio quilo! Uma loucura!...
Num canto da sala, um moça nem feia nem bonita, nem loura nem morena, nem alta nem baixa, nem gorda nem magra, sorria, triunfante. No canto oposto, Procópio Silva desfazia-se em explicações a uma loura desolada e à beira de um ataque de choro.
Santana fechou a porta da cabine do telefone público. A caminho de casa ia pensando por que raio a Idalina lhe tinha pedido que telefonasse para a sociedade e dissesse ao Procópio que estava a dar muito linguado na Cova do Vapor. Não estava a dar nada, tirando uma ou outra faneca pequena...