Durbalino Silva nunca conseguira perceber, ao longo da sua já longa vida de pescador desportivo, aqueles companheiros que, de um dia para o outro, deixavam pura e simplesmente de pescar.
Encontrava-os, por acaso, passados dois, três anos, e diziam-lhe: “Não tenho tempo”. Em geral, invocavam razões profissionais. “Muito trabalho”. E ala que se faz tarde, sem mais explicações ou conversas.
Até que Durbalino, um dia, se pôs a pensar no caso do seu bem conhecido e ex-companheiro de clube e de pescarias, o Manuel.
O Manuel não falhava uma pescaria dominical. Fazia o campeonato interno do clube, ia a convívios de pesca, era federado e disputava os regionais de rio.
Mas mais: O Manuel chegou a ir à pesca com a mulher internada no hospital. - É ela mesma que me diz, “ Manuel, vai à pesca no domingo, pois vens cá todos os outros dias e precisas de espairecer na pesca, ao domingo”. - Dizia então o Manuel, justificando-se aos companheiros do clube.
Mas mais ainda: o Manuel, em dado momento da sua vida abriu uma lojinha de pesca num centro comercial. E toda a gente comentou: “Coitado do Manuel, agora já não pode ir à pesca, pois a loja tem que estar aberta ao domingo”.
Qual quê, o Manuel continuou a ir religiosamente à pesca. Umas vezes convencia o filho a ir para a loja. Outras pura e simplesmente encerrava, apesar de se sujeitar a problemas e multas da parte da gerência do centro comercial.
Com as voltas que a vida dá, o Manuel recebe uma herança inesperada e abre um pequeno restaurante.
Ao princípio, Durbalino não estranhou que o amigo deixasse de pescar, apesar do estabelecimento encerrar ao domingo. Enfim, era o lançamento, o procurar solidificar a coisa… Mas ao fim de dois anos, com o restaurantezinho de vento em popa e o dinheiro a entrar a bom entrar, questionou-o. “Manuel, que se passa, parece que largaste a pesca de vez. Não me digas que, agora, não podes ir à pesca ao domingo, caramba”.
“Não tenho tempo”, bem vês, a mulher, o trabalho, enfim… Não posso, não dá”.
Durbalino desafiou o amigo mais uma vez ou duas. Por fim, desistiu e habituou-se à ideia que o Manuel, pura e simplesmente, renunciara ao seu vício favorito.
O assunto visitava-o regularmente. E um dia, depois de matutar algum tempo, fez-se luz na cabeça do Durbalino. “Já sei!”, exclamou em voz alta.
Durbalino tinha compreendido finalmente, porque é que amigo e outros viciados na pesca, de repente, largavam o vício.
Na realidade, não era a falta de tempo, devido ao trabalho, ou à família, que estavam na razão do abandono.
Era, isso sim, como o exemplo do Manuel ilustrava, a substituição de um vício por outro.
Ou seja, a substituição do vício da pesca pelo vício de ganhar bom dinheiro.
Sendo que a satisfação, o gozo, o ralaxamento e a paz de espírito de ir engrossando a conta bancária, substituía, com larga vantagem, os prazeres proporcionados pela pesca.
Agora, Durbalino, quando um conhecido da pesca lhe diz que não tem tempo para o seu vício favorito, já sabe que essa pessoa está já viciada noutras pescas... Em “pescar” euros e euros.
Nota: O Manuel existe mesmo (com outro nome) e as situações relatadas são reais.