Tinha eu 14 anos, estava de férias e pescava na malhada (malhada é uma formação rochosa de grandes dimensões, tipo lage, sobranceira ao mar) de Porto Dinheiro, uma praia perto de Ribamar, Concelho da Lourinhã.
Pescava com a minha nova cana de pesca, de fibra de vidro, de 2,10 m, e com o respectivo carreto sagarra, prendas da passagem de ano escolar (há 47 anos!...). Estava com o meu amigo João Peletas,um excelente pescador, nascido e criado junto à praia. Ele teria uns 15 ou 16 anos, era um dos filhos de uma família numerosa e tinha um ligeiro atraso cognitivo.
Às tantas, diz-me o bom do Peletas, com uma expressão temerosa: "Olha, ali vai o matador". Olhei e vi um rapaz na casa dos 19, 20 anos, caminhando pelo carreiro na direcção da saída da malhada.
E contou-me a história do matador. Tripulante de um barco de pesca, tinha sido alvo de uma tentativa de violação por um camarada de bordo, na camarata do barco. E, com uma navalha, cortara as goelas do agressor.
Fiquei impressionado, na frescura dos meus 14 anitos, com a história e com o facto de ter visto ao vivo um homem que matara outro. Um matador, um assassino. E ainda mais impressionado fiquei com a carga dramática que o bom do Peletas tinha conferido à coisa.
Passado uns dias, pescando sozinho no mesmo local, eis que vejo vindo na minha direcção o tal assassino. Fiquei perturbado, claro.
Ele aproximou-se e perguntou-me como ia a pesca. Tremelicante, disse-lhe que ainda não tinha apanhado nenhum sarrão. E ele disse-me: "Porque não tentas apanhar um sargo". Respondi: "Isso queria eu".
Então, o assassino foi apanhar umas teagens (eu estava a pescar com umas minhocas serradas anoréticas) e sugeriu-me que lançasse mais na rebentação. Assim fiz.
Ao fim de pouco tempo, um esticão valente, um enrolar de carreto sôfrego, o coração aos pulos e um belo sargo de cerca de 700 gramas cá em cima.
Fiquei maluco. Era o meu primeiro sargo. E logo (para mim) um verdadeiro sargalhão.
Fiz mais um ou dois lançamentos e arrumei logo a tralha. O desejo de mostrar o meu troféu aos familiares e amigos era mais forte que a paciência para tentar apanhar outros exemplares.
E foi então que fiz algo impensável anteriormente. Avancei dois passos na direcção do assassino e, despedindo-me, apertei-lhe a mão, dizendo: "Obrigado".
No caminho para casa, pensei que o matador, o assassino, afinal era uma pessoa como as outras. E mais... Para mim tinha sido um gajo muito porreiro.
A partir desse dia senti que cresci um bom bocado, ao perceber que a vida é um pouco mais diversa e complexa do que à primeira vista parece.
__________________________________
Nota: Esta é uma história, verídica.
Início
