Tirei um croquete de um prato que um empregado impecavelmente trajado me passou pela frente e olhei para uma foto de um pescador a tirar um senhor robalo numa pesca ao corrico.
Olhei em redor e pensei que a coisa não podia estar melhor.
A "coisa" era nem mais nem menos que a inauguração do Museu da Pesca Desportiva.
Antes, havia tido a oportuniade de ver carretos e canas antigas. Rejubilei a ver a os velhinhos carretos sagarras e sofis, os luxor, os mitchell e os noris-shakespeare, para já não falar de peças do tempo da segunda grande guerra, como carretos de madeira de macacaúba e canas da índia com punhos trabalhados em madeira. E espantei-me com um exemplar de uma vara de pesca de alumínio, imaginando os milhares de bogas que a mesma havia pescado.
Noutra sala, passavam imagens do campeonato do mundo de água doce ganho pelo Mário Barros, em Coruche (cortesia da RTP), e imagens de outros campeonatos, de mar, ganhos por atletas portugueses. Emocionei-me. Se no futebol, que é apoiado até ao tutano, não ganhamos nada internacionalmente, viva a pesca desportiva, o atletismo, a canoagem e outros desportos "menores" para elevarem o nome do nosso "jardim à beira-mar plantado".
Uma simpática moça, de fato saia e casaco azul, de blusa amarela e lenço amarelo e azul ao pescoço,com o emblema da Federação debroado na lapela, ofereceu-me uma brochura alusiva ao museu. Esclarecedora, completa e com uma excelente imagem gráfica. Entretanto, outro empregado, com uma bandeja farta nas mãos, tentou-me, com êxito, a degustar mais um excelente salgado.
Prosseguindo, encontrei-me num espaço mais vetusto, com uma iluminação e uma ambiência que fazia lembrar a nave de uma igreja. Aí estavam elementos bibliográficos dos pais fundadores da pesca desportiva em Portugal, a saber: Jorge Brum do Canto, Prof. Arsénio Cordeiro, Artur Rodrigues, Alberto Lima Bastos, João Olavo Cruz, Mário Macedo, Engº. Seabra Cancela, Fernando Araújo Ferreira, Carlos Bonniz e alguns outros. Não pude deixar de me comover. Uma lágrima atrevida rolou-me pelo rosto.
Logo me recompus, na sala seguinte. Entre várias outras coisas, matei saudades do velhinho engodo 3C e do velho Amorim vermelho para as carpas, dois ícones da pesca de água doce.
Seguidamente, emborquei um copo de espumante, tirado de uma bandeja que um solícito empregado pusera à minha frente. Em bom tempo o fiz, pois havia chegado a hora dos dicursos.
No salão nobre do Museu, o presidente da Federação elencou os trabalhos e as vicissitudes várias que surgiram ao longo da ciclópica tarefa de erguer a estrutura museulógica. Mas não se alongou sobre a obra já feita. Projectou, de imediato, as tarefas futuras de âmbito cultural: Conseguir a construção do monumento aos pioneiros da pesca desportiva em Portugal, em Sesimbra, em parceria com a Câmara Municipal; Concretizar um conjunto escultórico em Coruche, alusivo ao primeiro campeonato do Mundo ganho por um português; e levar várias edilidades do país a darem o nome de pescadores desportivos de relevo a artérias e praças das respectivas cidades e vilas.
O fim do discurso foi aclamado por uma estrondosa salva de palmas.
Depois, falou o secretário de Estado do Desporto. De entre as palavras de circunstância que proferiu, emergiram estas, dignas de nota: "Um desporto que não homenageia os seus melhores atletas e feitos, deita fora a memória e a riqueza do passado, memória e riqueza essas que são elementos fundamentais para enquadrar e inspirar o futuro."
Após as palmas, surgiu-me pela frente uma empregada,impecavelmente vestida,com uma bandeja de pequenos salgados. Fui para tirar um e reparei que se mexia. Era uma réplica de um pequenino robalo e saltava, contorcendo-se, como acontece ao peixe fora de água. Entretanto, os outros salgados começaram também a mexer-se e a contorcer-se, num bailado aflitivo. Lembro-me que tentei gritar, para pedir ajuda para colocar os pequenos salgados-robalos na água. Mas não conseguia. Tentava gritar e nada... Não conseguia emitir um som.
Foi então que acordei.
Estremunhado, dei conta que estava no sofá, onde adormecera a ver televisão. Olhei para o ecrã e lá estava o programa de pesca da nossa Federação, a passar na RTP2. No momento, dava para apreciar uns barcos a navegarem, com uns pescadores de achigãs em cima. Depois viam-se eles a lançarem as amostras. E, depois, viam-se uns tipos a pesarem uns achigãs...
Desliguei a televisão e fui para a cama. "Vais-te deitar, às três da tarde!?", disse-me a mulher. Ao que respondi: "Vou, filha... Apetece-me sonhar!"