Muitos comportamentos dos cães, que os seres humanos consideram maçadores e inúteis, são parte integrante da natureza deste animal, e reconhecê-los poderá permitir-nos entender o cão e estabelecer com ele uma relação gratificante para ambos.
Observando o comportamento do cão, chega-se a três conclusões que devemos ter em conta se quisermos respeitar a sua natureza e se, de facto, estivermos interessados no bem-estar do nosso amigo:
-o cão é um animal predador;
-o território tem uma importância fundamental para ele;
-tem necessidade de viver uma existência social, isto é, de viver junto de outros indivíduos.
IDADE PSICOLÓGICA DO CÃO
Tal como nos seres humanos, também nos cães é possível observar uma série de idades psicológicas, isto é, períodos em que certos comportamentos são dominantes e outras faculdades estão completamente ausentes ou aparecem de forma limitada.
- Idade neonatal (até aos 15 dias de vida). Durante este período as actividades predominantes são alimentar-se e dormir. O cachorro desta idade utiliza cerca de um terço do seu tempo a alimentar-se, enquanto passa o resto a dormir.
- Idade (le transição (dos 15 aos 25 dias). Nesta fase inicia-se a capacidade do cachorro para perceber os estímulos externos, graças ao amadurecimento dos seus órgãos sensoriais. Aumenta a independência em relação à mãe e reforça o vinculo com os outros membros da ninhada (podem observar-se as primeiras tentativas tímidas de
brincar com os seus irmãos).
- Idade da socialização (dos 25 dias aos 2 meses e meio). É o período mais importante para o desenvolvimento social do cachorro, aumentando, sobretudo em forma de brincadeira, os seus vínculos com outros cães e com os seres humanos. As experiências vividas neste período marcam a personalidade do cão e podem ter consequências no seu comportamento como animal adulto.
Com o desenvolvimento da dentição cresce a sua capacidade para receber alimentos sólidos e inicia-se a etapa do desmame: afasta-se durante períodos, progressivamente mais longos, da mãe e da ninhada, chegando, por vezes, a assumir comportamentos agressivos com os cachorros que pretendem ainda continuar a mamar.
- Idade juvenil (dos 2 meses e meio aos 6 meses). Continuam, substancialmente, invariáveis os esquemas de comportamento e o predomínio da actividade lúdica, mas aumenta de forma considerável a capacidade motora e com ela as actividades exploratórias do território.
Desenvolve-se, ao mesmo tempo, o mecanismo de domínio e de submissão, e com ele a agressividade, e estabelecem-se as relações hierárquicas.
VIDA SOCIAL
Como já dissemos, para uma correcta convivência com o cão é indispensável
conhecer os motivos que o levam a assumir toda uma série de comportamentos, quase sempre rituais (próprios também das alcateias de lobos) e aos quais não sabe renunciar a não ser desvirtuando a sua identidade.
Exporemos, portanto, os principais comportamentos típicos dos cães, sobretudo os relacionados com a comunicação e com a afirmação das suas necessidades primárias.
VIDA EM MATILHA
Grande parte dos investigadores, de Darwin a Lorenz, estão convencidos de que os progenitores dos cães, tal como se conhecem hoje, foram mais do que um e que entre eles o que maiores afinidades tem é o lobo, tanto no comportamento como nos costumes sociais.
O lobo é um animal predador, que vive em alcateias, de organização social complexa, nas quais cada membro ocupa e defende um determinado território de importância decisiva para a sobrevivência do grupo.
A alcateia de lobos consiste numa comunidade de indivíduos, geralmente aparentados e de idades diferentes, cuja vida é regulada por uma rígida hierarquia de domínio, muito semelhante ao conceito de ordem feudal da Idade Média.
Viver em alcateia pode apresentar, no entanto, aspectos negativos, dos quais o principal é que só o macho e a fêmea dominantes têm direito a reproduzir-se; os indivíduos jovens têm de "roubar" uma fêmea para copular lutando com o chefe da alcateia e ocupando o seu lugar ou encontrar uma loba isolada disponível. Para isso, vêem-se inevitavelmente obrigados a sair da alcateia, iniciando com o nascimento da prole a formação de uma nova alcateia.
Apesar de tudo, as vantagens da vida em alcateia superam as suas desvantagens: o grupo permite uma defesa mais fácil dos predadores potenciais; controla-se um território mais vasto quanto maior for a alcateia e pode-se caçar um número de peças
proporcional ao seu tamanho.
A alcateia é, pois, um conjunto diversamente articulado, cuja tarefa comum é a sobrevivência nas melhores condições. To- dos os membros colaboram no cuidado da prole, garantindo, deste modo, a perpetuação de um determinado grupo de consanguíneos; todos os seus membros participam na delimitação e na defesa do território e cooperam nas tarefas de caça" com o objectivo de tomar possível a captura de mamíferos de um tamanho que seria impossível para um só animal.
COMUNICAÇÃO
O equilíbrio do sistema social da alcateia baseia-se no respeito da hierarquia, o que só é possível se as técnicas de comunicação dos indivíduos que a formam forem eficazes. O cão utiliza, principalmente, três canais para comunicar: a voz, o corpo e o olfacto
Comunicar com a Voz
A voz é utilizada para comunicar com os outros indiviuos a longa distância(latidos e uivos) e a curta distância(uivo,gemido e grunhido).
-O latido: É característico do cão. Utiliza-o para indicar perigo (por exemplo quando faz de guarda) ou para reclamar atenção (mostrar felicidade, decepção, agitação, etc.).
- O Uivo: O cão uiva raramente; os lobos uivam para manter o contacto com outros indivíduos da própria alcateia, para comunicar a sua presença, convocar assembleia, desanimar os invasores e sincronizar os tempos de caça no território. O cão uiva raramente: fá-lo se é deixado muito tempo, por exemplo, ou quando está atraído por uma fêmea. Noutras ocasiões, os cães uivam por espírito de grupo, isto é, em resposta e acompanhamento dos uivos de outros cães próximos, comportamento que se aproxima muito do dos lobos que acabamos de descrever.
- O Uivo curto: É um recurso que serve para chamar a atenção sobre um estado de mal-estar e inquietação ou inferioridade; utiliza-o para pedir algo, para exprimir o desejo ou a necessidade de alguma coisa, Neste sentido típico, sobretudo, dos cachorros e pode comparar-se ao choramingar das crianças.
- O gemido: Manifesta dor, física ou emocional, e, por vezes, medo. É também típico do cachorro não é só por ser a sua única defesa. Os cães utilizam-no para demonstrar também submissão.
- O grunhido: O cão grunhe para ameaçar, para comunicar intenções pouco amistosas. Constitui uma advertência antes de passar a de facto.
Comunicar com o corpo
Este tipo de comunicação realiza-se através da observação das posturas corporais e da mímica facial dos outros animais, em relação principalmente a quatro mensagens: domínio, a agressividade, o medo e a submissão.
A mímica racial. É um dos principais meios expressivos que cão utiliza para manifestar os seus estados de ânimo e as suas intenções mais imediatas. Um cão relaxado não tem qualquer expressão especial: embora não durma, tem os olhos semicerrados e as orelhas erguidas. Se algo lhe interessa, embora seja só um rumor longínquo ou o voo de uma mosca, endireita completamente as orelhas (até o a sua morfologia o permitir), abre bem os olhos e estica o pescoço.
No momento em que o interesse se transforma em alarme, o cão ergue-se para controlar a totalide do meio, para, no caso de ser necessário, defender o seu território do seu dono, os seus cachorros ou os seus ossos. A expressão torma-se agressiva para indicar ameaça e é então quando o cão rosna: mostra os dentes franzindo os lábios numa intenção intimidatória, o pêlo do lombo eriça-se, muitas vezes ladra furiosamente, sobretudo se uma sebe ou um portão o separa de quem ameaça. No momento em que decide passar a vias de facto franze os lábios ainda mais para mostrar os dentes o mais possível, o rosnado toma-se particularmente profundo e tremendo e encolhe as orelhas para trás.
À medida que a tensão sobe, toda a sua expressão se transfigura: os olhos transformam-se em duas frinchas, mostra os dentes cada vez mais, ao mesmo tempo que os pêlos do lombo se eriçam por completo; se isto não chegar para submeter o adversário ou dissuadi-lo das suas intenções, chega à agressão física propriamente dita.
O cão que se submete tem a cabeça, a cauda e as orelhas baixas e deixa-se cair sobre as costas separando as patas traseiras de modo que as zonas mais delicadas .quem expostas à inspecção de quem o domina; certos cães urinam-se também um gesto adicional de submissão emotiva.
As posturas da cauda. As mensagens que o cão quer transmitir são reforçadas através da voz e da mímica facial. Se o cão está tranquilo, a cauda relaxada tem uma posição mais ou menos levantada segundo a sua forma. O cão dominador levanta-a para cima da linha dorsal, mas se as suas intenções forem amistosas, levanta-a de um lado para o outro. Isto costuma indicar alegria e boas intenções; nos cães subordinados ou de cauda cortada, o movimento costuma afectar toda a garupa; por outro lado, os cães nervosos agitam rigidamente a cauda baixa, normalmente em sinal de submissão. Se o cão estiver tenso, tem a cauda erguida, se for tímido, inibido, medroso ou se se sentir em inferioridade relativamente a algo ou a alguém, baixa a cauda e mantém-na entre as patas para cobrir os genitais.
Comunicar com os Odores
Segundo parece, por causa da distorção forçada que determinadas características físicas sofrem por causa da selecção (orelhas longas e penduradas ou cortadas, cauda cortada, corpo exageradamente alongado, etc.), os cães domésticos utilizam menos a linguagem do corpo do que os lobos ou do que os outros canídeos e recorrem, com frequência, à emissão de mensagens olfactivas. Este tipo de mensagens tem a vantagem de permanecer no ar durante certo tempo e, além disso, resultam particularmente úteis nas zonas de vegetação espessa nas quais a visibilidade imediata é má e, portanto, a comunicação visual piora. Podem reconhecer-se dois tipos de comunicação olfactiva: através da deposição de urinas ou de fezes ou através do próprio odor do cão, que se deve sobretudo a secreções glandulares.
Fezes e urina. Todos os canídeos as utilizam (e em geral os animais selvagens) para "marcar", isto é, para dar a conhecer, através da deposição de fezes, urina ou secreções glandulares, os limites do seu território, o estatuto social de quem as produziu. Certas observações demonstraram que, em muitos casos, os cães defecam mais quando não estão seguros pela trela e quando os donos não estão presentes, apesar de não ser óbvia ainda a motivação deste comportamento nem se poder transformar numa regra extensível a todos os cães.
Um dos comportamentos mais reconhecíveis dos cães é levantar a pata durante a micção; um cão dominante levanta a pata muito mais frequentemente do que um cão subordinado e pode acontecer que uma fêmea se comporte do mesmo modo. Quando um cão levanta a pata, mesmo sem urinar, é óbvio que este comportamento representa uma exibição de domínio sobre os outros cães presentes.
Outro comportamento típico é a super-marcação, isto é, urinar sobre a urina de outro cão. Pode observar-se também como os cães raspam a terra com as patas posteriores nos locais onde acabaram de depositar as fezes e a urina: esta acção poderia ter múltiplos significados, entre os quais assinalamos o de espalhar pelo meio o próprio odor ou talvez o de incluir rastos odoríficos procedentes das glândulas situadas entre as almofadas ou então o de acrescentar um sinal visual às marcas olfactivas depositadas com os excrementos.
Outros tipos de odores. Incluem-se sob esta epígrafe todos os sinais que os cães emitem, graças a secreções provenientes de glândulas especiais da pele que costumam estar situadas na face, na cauda, entre as almofadas dos dedos e nas zonas anais e perianais.
As secreções glandulares anais têm duas funções: reforçar as marcas territoriais por meio de secreções voluntárias e tipo oleoso, geralmente como resposta à invasão do território por parte de intrusos; outras vezes são emitidas independentemente da deposição de fezes, sobretudo quando o animal sofre stress ou tem medo. Outros odores de tipo geral são os emiti dos pelas glândulas da pele, que produzem secreções gordas, e os das glândulas sudoríparas, que produzem secreções de tipo aquoso.
Podemos dizer, em geral, que as secreções glandulares são emitidas para comunicar o próprio estatuto social, sexual ou emocional; para dar um exemplo prático, pensemos em dois cães que se encontram pela primeira vez e que põem em jogo uma série de comportamentos rituais associados à inspecção olfactiva sobretudo da zona da cabeça, do ânus e dos genitais. As fêmeas, independentemente do sexo do outro animal, inspeccionam a zona da cabeça e os machos a posterior. Além disso, se se tratar, sobretudo, de exemplares dominantes, um cão inspecciona o outro tentando ao mesmo tempo limitar, no possível, a exposição ao exame olfactivo do outro (a não ser que se trate de uma fêmea com cio e de um macho: neste caso, a primeira permitirá que o macho inspeccione a região anal).
OS INSTINTOS
O cão possui comportamentos instintivos que se apresentam de modo mais ou menos acentuado segundo a raça. O poínter, por exemplo, "assinala" sem que seja necessário ensinar-lhe este comportamento; outros, como os cães de pastor, são capazes de reunir um rebanho e tendem a fazê-lo também com as pessoas (sobretudo com as crianças).
A defesa do dono. Para o cão, o dono é o chefe da matilha e, por isso, o que para o amo é bom é também bom para ele. Se o dono de um cão mantém uma conversação amistosa com alguém, o cão permanecerá tranquilo, mas se, pelo contrário, houver sinais de comportamento agressivo, o animal pôr-se-á sempre ao lado do seu dono.
O mesmo acontece com o território em que vive, que o cão defenderá sempre dos estranhos. Por isso, é conveniente apresentar o cão a todas as pessoas que entram em casa pela primeira vez e especialmente às pessoas que poderiam entrar também na ausência dos donos, como porteiros, carteiros, pessoal da limpeza e muitas outras.
A agressividade. Uma certa dose de agressividade é normal nos cães; distingue-se entre agressividade provocada por medo e agressividade por domínio, produto do desejo de se impor. Para vencer a agressividade por medo é conveniente aproximar-se com o cachorro face às coisas que o assustam mostrando-lhe a inocuidade da presumível fonte de perigo. Quando se fizer isto, deve falar-se com calma ao mesmo tempo e felicitá-lo, se não mostrar sinais de agressividade. A agressividade por domínio pode evitar-se habituando o cachorro desde pequeno a ser dominado pelo dono e pelos outros membros da família. Para fazer isto, deve agarrar-se o cão pela pele da nuca ou habituá-lo a aceitar pôr-se de barriga para cima perante as pessoas com quem convive: como estes são sinais de submissão entre os cães adultos, aprenderá a hierarquia existente numa matilha muito particular como é a família e aceitará o seu papel de submetido.
PESSOAS E CÃES
É inevitável que, falando do comportamento do cão e da relação que o une a nós, nos interroguemos com questões deste tipo: o meu cão é inteligente? Qual é o grau de consciência do cão? Têm sentimentos e emoções? Gosta de mim? E, se é assim, porquê? Na realidade, não há estudos científicos que respondam a estas perguntas, o que há são apenas hipóteses baseadas em observações.
Limitar-nos-emos a expor aqui as conclusões baseadas na nossa experiência pessoal e na de quem está próximo e convive com cães, animais que tivemos a sorte de conhecer ou que nos acompanharam durante uma época da nossa vida.
O melhor amigo do Homem
A afirmação "o cão é o melhor amigo do Homem" não é um lugar comum; é uma afirmação demonstrada pela história e pelos factos. Que se trata de um amigo fiel é indubitável, não sendo necessário para o demonstrar mencionar os numerosos episódios de heroísmo e de abnegação de que este animal foi protagonista. Mas é também capaz de adivinhar os nossos estados de ânimo no momento e de se adaptar à situação; por último, é capaz de actos de coragem extrema ao ponto de - já aconteceu com frequência - sacrificar a sua vida pela do seu dono.
Mas, a que se devem sentimentos tão leais? A que devemos este amor incondicional? Qual a melhor forma de lhe corresponder?
'Os cães domésticos passam uma grande parte do seu tempo na companhia de seres humanos, sem possibilidade de manter contactos sociais com os seus congéneres. A domesticação teve o efeito de habituar os cães a considerarem os seres humanos como indivíduos pertencentes à sua própria espécie e à família com a qual vivem como a matilha de que fazem parte.
É necessário sobretudo sublinhar que um cão tem a necessidade básica não só de fazer parte de uma matilha, mas de ter um chefe de matilha, isto é, um indivíduo dominante que possa entendê-lo e comportar-se face a ele com justiça (do ponto de vista canino, entenda-se). Quanto mais "justos" e constantes formos na nossa relação com o nosso companheiro, tanto mais será capaz de nos devolver uma dedicação e um afecto que causa espanto inclusive ao coração mais duro.
INSTlNTO / CONSCIÊNCIA
Um cão não é uma coisa inanimada, mas possui um enorme coração, sentimentos, e é um ser vivo e pensante que é capaz de dar muito mais do que receber. Além disso, está quase sempre indefeso face aos seres humanos. Tudo isto era já sabido entre os nossos ancestrais, que, em alguns casos, instituíram leis especialmente severas (como os antigos egípcios) contra os que maltratavam animais como o cão e o gato e que, nos casos mais graves, previam inclusive a pena de morte.
Sem chegar a tanto, bastará garantir ao nosso amigo de quatro patas esse mínimo de segurança e de conforto de que tanto necessita e essa taxa de lealdade suficiente para corresponder à que ele nos dispensa sempre.
No entanto, muitas vezes os seres humanos esquecem estas obrigações comportam-se de modo cruel perante tanta lealdade: existem episódios na crónica quotidiana que vão desde maus tratos físicos à falta de nutrição e ao abandono.
A que se deve tanta crueldade insensível por parte dos seres humanos?
É difícil encontrar uma resposta, uma vez que se trata, visivelmente, de um comportamento antinatural não só do ponto de vista canino.
Talvez se deva ao facto de, durante séculos, os seres humanos considerarem os cães, e os animais em geral, como seres sem alma nem emoção, como "coisas" incapazes de possuir sentimentos, úteis enquanto realizavam determinadas tarefas, puros e simples incómodos de que se podia prescindir.
Atribuir aos animais consciência, sentimentos e emoções é considerado por muitas pessoas como uma tentativa de antropomorfizar o mundo circundante, tendo em conta que hoje são mui- tos os que estão convencidos de que a consciência e a capacidade de formular raciocínios, sentir emoções e sentimentos são um privilégio exclusivo dos seres humanos.
Aos nossos olhos, assim como aos olhos de muitos etólogos contemporâneos, é uma completa falsidade, carecendo também de base científica: graças à evolução, os seres humanos transformaram-se no que são, isto é, agudizaram o pensamento e, graças à interacção social, desenvolveram uma consciência.
Os pensamentos e as emoções têm, pois, um valor evolutivo: os instintos primitivos, postos à prova pela experiência, aperfeiçoam-se através da inteligência, tornam-se raciocínio e este leva a mente a formular pensamentos que permitem a análise da realidade e a solução de problemas progressivamente bastante mais complexos.
'Este mecanismo é também válido para os animais. No decurso da evolução, a criação de regras de convivência social (na comunidade humana, assim como nas alcateias de lobos), a adopção de comportamentos ditados pela experiência, a exigência de perpetuação da espécie nas melhores condições, associada à experimentação directa de emoções positivas e negativas e à capacidade de adaptação a situações mais diversas, favoreceram a adopção de uma ética do comportamento que, transmitida através do ADN, se tornou a parte do património de uma determinada espécie. Trata-se de algo mais do que de simples instinto de sobrevivência e aproxima-se muito do conceito de consciência que pertence não só aos seres humanos mas também a todos os outros seres vivos com maior grau de evolução, os seres possuidores de um cérebro bem desenvolvido e de um coração repleto de emoções.
MAS É AMOR VERDADEIRO?
Definir como amor verdadeiro o vínculo especial que une um cão ao seu companheiro humano não é, do nosso ponto de vista, arriscado, dado que, apesar de ser bastante difícil explicar esta noção tão subjectiva e inapreensível, é inegável que foi tradicionalmente associado à mãe natureza e à harmonia das coisas. Se pensarmos na definição que os dicionários costumam incluir sob o termo amor, "dedicação apaixonada e exclusiva, instintiva e intuitiva, virada para assegurar a felicidade recíproca e o bem-estar", não é isso precisamente o que um cão sente pelo seu dono? Por que é que o cão ama tanto os seres humanos? Como já indicámos, o cão descende do lobo e é, por conseguinte, um animal de matilha. Além disso, ao longo dos séculos adoptou o nosso mundo como o seu habitat natural.
'As experiências e as observações fizeram-no entender que os seres humanos se desenvolvem melhor do que ele neste âmbito, ao ponto de o ter forjado segundo as nossas exigências. Somos mais fortes e superiores do que ele: não é por acaso que obtivemos o título de chefes da matilha. O cão entendeu, pois, até que ponto somos essenciais para a sobrevivência da sua espécie, de modo que, em muitos casos, a simples relação de afecto transforma-se em autêntica veneração: alguns cães consideram os seus companheiros humanos como se fossem deuses e só vivem para eles.
Além disso, um cão tem muito mais necessidade de nós que nós dele (como fica demonstrado pelo grande número de casos de crueldade que mencionámos anteriormente), crê-nos omnipotentes e embora o nosso comportamento seja para ele quase sempre incompreensível, adapta-se: não pode fazer outra coisa.
A INTELIGÊNCIA
Darwin considerava os animais domésticos como exemplares perfeitos para o estudo das capacidades mentais e, analisando o número de palavras e de frases (humanas) que os cães são capazes de distinguir, tinha chegado à conclusão de que o seu domínio da linguagem era comparável à de uma criança de 1 ano. Morgan, um estudioso do século XIX do comportamento animal, repreendia os seus Terrier - que não tinham sido capazes de passar um longo pau através de um tubo estreito - porque não tinham posto
todo o empenho em realizar a tarefa. Isto demonstra como é fácil ter opiniões erradas sobre a capacidade intelectual dos animais. Não só confundimos a capacidade mental com a capacidade de adestramento, sendo estes dois conceitos bem diferentes, mas também de uma forma muito absurda actuamos como se pedíssemos a uma criança de 1 ano que aprendesse a linguagem dos cães ou, pelo menos uma parte, quando nem os adultos são capazes de tal coisa.
'Nos últimos tempos os psicólogos dividiram-se em duas correntes. Uma defendia uma abordagem evolucionista, que se baseia na medida das dimensões do cérebro, inclusive tendo em conta que o cérebro dos animais é diferente segundo as espécies. Demonstraram que o EQ (quociente de encefalização) dos canídeos é superior em cerca de 38 % ao dos felídeos: os cães e os lobos têm também um córtice pré-frontal particularmente desenvolvido, o que se relaciona" provavelmente, com o complexo sistema social que regula a sua vida.
A segunda corrente defende uma abordagem ecológica, que define a inteligência como a capacidade que os animais têm para se adaptar a diferentes situações e às mudanças que se produzem no seu habitat. Neste último caso, os cães demonstraram ter uma série de "capacidades ecológicas acrescentadas (isto é, capacidade de elaborar conceitos de quantidade, semelhança, diferença, de formular autênticas deduções intuitivas e lógicas) muito especiais, tendo em conta que, graças à sua enorme capacidade de adaptação, conseguiram transformar o habitat humano no seu próprio habitat, num ecossistema em que podem sobreviver e procriar com normalidade.
Na realidade, muitos aspectos cognitivos referentes aos cães continuam, em boa parte, por explorar e estes animais, pelo que sabemos até hoje, poderiam ter uma capacidade mental muito superior e muito mais
complexa do que os estudiosos foram capazes de investigar e medir até agora.
OUTROS...
OS OLHOS
Um dos comportamentos do rosto mais eficazes na comunicação visual para um cão que quer impor o seu domínio sobre alguém estranho é o encontro directo dos olhares.
Quando dois cães desconhecidos se encontram, o sujeito submetido interrompe o contacto directo do olhar com o dominante, sendo isto suficiente para estabelecer o estatuto social dos dois indivíduos. Deve ter-se isto presente com os cães desconhecidos que se encontram pela primeira vez: se um cão que tinha demonstrado antes a sua submissão, afastando o olhar, fixa agora nos olhos o outro indivíduo (seja este homem ou cão), pode confundir-se e interpretar este olhar insistente como uma ameaça, reagindo em consequência, isto é, mordendo sem aviso prévio. Por outro lado, um cão dominante que não afasta o olhar e que o mantém fixo durante um bocado pode aumentar a sua ameaça, rosnando e mostrando os dentes.
Quando repreender o seu cão, não se aborreça por ele não o olhar na cara e desviar o olhar; está simplesmente reconhecendo a sua superioridade; insista para atrair o seu olhar e manter o contacto com ele, mesmo correndo o risco de confundir mais o animal que não entenderá nem o comportamento nem a repreensão. Na relação diária normal com o cão este jogo de olhares é ultrapassado: muitas vezes, observá-lo-á para entender as suas intenções, para chamar a sua atenção, para se deixar acariciar ou convencê-lo a dar-lhe uma bolacha, sem que tenha qualquer intenção de o ameaçar ou pôr em dúvida o domínio do dono.
SORRISOS E SORRISOS
O sorriso de um cão é diferente do do homem: um cão que tenha uma expressão serena e relaxada, com as orelhas baixas, os olhos semi-fechados, a boca semiaberta e o focinho para cima, pode dizer-se que está a sorrir (à maneira canina).
No entanto, muitos cães tentam imitar o sorriso dos seres humanos e, muitas vezes, é possível vê-los assumir um esgar ridículo: lábios esticados e dentes à mostra para imitar o sorriso dos seus donos, talvez virando-se de barriga para cima em sinal de submissão.
Mas, como é possível um cão chegar a este ponto de astúcia de adaptabilidade? A maior parte dos animais, incluindo os cães, avaliam continuamente os outros seres vivos, por meio de observações atentas, e comportam-se em consequência. De outro modo não seria possível adestrar um cão para que assuma as atitudes e os comportamentos mais diversos: há pouco tempo surgiu nos jornais a notícia de um cão americano que tinha aprendido a pronunciar.
CÃES E CRIANÇAS
Não é necessário sublinhar como é benéfica a relação entre uma criança e um cão. Para a criança, o cão torna-se, rapidamente, um privilegiado e companheiro inseparável de brincadeiras, mas os pais devem aconselhar e acompanhar as crianças de maneira que se aproximem dos animais com respeito e carinho, estimulando, desta maneira, uma relação correcta e equilibrada nos processos de crescimento. Deve também controlar se o animal está sempre limpo e saudável e adestrado correctamente.
Um momento particularmente delicado na convivência com um cão é representado pela chegada a casa de um recém-nascido: o cão (especialmente se se tratar de um macho e se for jovem) viverá a situação de uma forma traumática. Durante os primeiros dias não o devem afastar, mas nunca o devem deixar sozinho com a criança; deve permitir-se que se aproxime e, enquanto o faz, tranquilizá-lo e acariciá-lo, mas tendo-o sempre sob controlo para captar o seu estado de espírito e intervir, de imediato, no caso de reacção anómala.
Para o cão, aquele ser novo, privado de odores familiares, pequeno e indefeso, que chora "uiva") pode, de facto, ser olhado como uma "presa". Do mesmo modo, as crianças que gatinham, que correm pela rua, estimulam no cão o instinto de presa. No caso de se aperceber de comportamentos deste tipo, não se limite a castigos corporais ou ao uso do açaimo: é melhor efectuar um adestramento correcto e, no caso de ser necessário, pedir conselho a um especialista.