Estorninho-malhado e estorninho-preto. Um problema «legal» de identificação
Os conflitos entre a caça e a conservação são frequentes e o caso dos estorninhos é disso um bom exemplo. Existem em Portugal duas espécies, o estorninho-malhado (Sturnus vulgaris) cinegético e o estorninho-preto (S. unicolor) protegido. Este ano a época do estorninho-malhado começa em 28 de Outubro e acaba a 17 de Fevereiro e mais uma vez os caçadores serão confrontados com a necessidade de distinção das duas espécies.
Estes passeriformes deixaram de estar nas preferências dos nossos caçadores devido à dificuldade em identificar a espécie cinegética.
Tal facto enfraquece a actividade, pois perde-se assim a possibilidade de ter grandes jornadas de caça, proporcionadas pelos inúmeros bandos destas aves que nos passam por cima durante a época venatória.
A solução mais simples para este problema é a atribuição do mesmo estatuto às duas espécies, ou seja, ou as duas são cinegéticas ou as duas protegidas.
A pergunta impõe-se, como se distinguem os estorninhos? A sua identificação quando as aves estão pousadas ou quando as temos na mão é simples, bastando para tal um bom guia de campo e alguma prática. Contudo, em voo e durante as nossas jornadas de caça o livro e a experiência não nos servem de muito.
Estorninho-malhado
É um passeriforme comum, com 70-80g de peso, 20cm de comprimento e 37cm de envergadura. No nosso país é invernante.
Estorninho-malhado macho de Inverno
Ave de cor negra com pintas brancas-amareladas (mais vivas de Inverno), as penas com reflexos metalizados verdes e roxos (mais fortes de Verão), de cauda curta e bico relativamente comprido e pontiagudo.
O voo é rápido e um pouco ondulante, notando-se a sua silhueta característica de asas pontiagudas e cauda curta (igual ao estorninho-preto). As patas são rosa-acastanhadas e caminha com movimentos enérgicos.
Os machos e fêmeas são muito idênticos. Na Primavera o macho não tem pintas no peito, a mandíbula inferior é de cinzenta-azulada (rosada nas fêmeas) e a íris é escura (as fêmeas têm um círculo claro). De Inverno a distinção entre sexos é mais difícil pois ambos apresentam a plumagem sarapintada característica.
A plumagem dos juvenis é de cor castanha pouco viva (igual nas duas espécies). A muda ocorre a partir dos fins do Verão, sendo a plumagem de imaturo (1º Inverno) semelhante à dos adultos (sarapintalgada de branco-amarelado) mantendo a cabeça de cor castanha.
Possui um vasto reportório de cantos e pios, onde se incluem imitações de várias espécies de aves, como o abibe, a gralha-preta e o gaio, entre outras.
Chegam ao nosso país a partir de meados de Outubro através de duas rotas; uma através do Canal da Mancha e pela Biscaia; e outra pelo Sul de França e Espanha. Regressam em meados de Fevereiro aos territórios de reprodução.
No Outono/Inverno juntam-se em grandes dormitórios, constituídos por vezes por milhares de indivíduos (durante a época de criação podem constituir dormitórios, mas o número de indivíduos será muito menor). Antes de se deslocarem para o dormitório, concentram-se num ponto alto (árvore, poste de electricidade, por exemplo) e depois formam os grandes bandos que enchem os nossos céus.
Estorninho-preto Globalmente semelhante ao estorninho-malhado embora seja um pouco maior, com 21-23cm de comprimento e 38-42cm de envergadura.
Estorninho-preto macho adulto Inverno
Na Primavera/Verão apresenta a plumagem toda preta, sem pintas e com reflexos roxos e verdes das penas mais uniformes e brilhantes que o “malhado”. No Inverno tem manchas claras apenas no dorso e abdómen (não tão vivas como na outra espécie).
As fêmeas e os imaturos possuem sempre uma plumagem com pintas menos brilhantes e em menor número que no caso dos machos, sem reflexos nítidos.
As patas são cor-de-rosa claras, o que os distingue bem do”malhado” mas é praticamente impossível de ver em voo. O bico é amarelo de Verão e escurece para o Inverno.
O canto desta ave é, em geral, mais límpido, mais agudo e mais forte que o da outra espécie, mas, mais uma vez, não é a melhor característica para os distinguir em voo.
O problema?
Durante a época de caça, as pintas são assim a melhor característica distintiva, mas como a muda das penas ocorre entre Setembro e Novembro, somente no fim do Outono o sarapintalgado poderá ser mais visível (durante a muda as pintas não são tão nítidas nem estão distribuídas de uma forma homogénea). Contudo, em voo é muito difícil destrinçar entre uma ave de peito claro devido às pintas brancas e entre outra de peito claro devido ao reflexo da luz solar.
Costuma-se dizer que “o seguro morreu de velho”. Neste caso também se aplica, pois o abate de um estorninho-preto pode resultar num processo de contra-ordenação.
Solução para o problema
Será que deveremos manter apenas um dos estorninhos como cinegético? Não seria mais simples se ambas as espécies tivessem a mesma classificação?
Segundo dados recentes do European Bird Census Council e do BirdLife International, as populações de estorninho-preto europeias apresentam uma ligeira tendência para aumentar enquanto o estorninho-malhado uma ligeira diminuição. No entanto continuam a ser espécies comuns e nalguns países, como em França, o estorninho-malhado é mesmo considerado uma praga pelos prejuízos que causa na agricultura.
Na Península Ibérica existe mesmo uma ligeira tendência para um aumento das duas espécies.
Em Espanha ambas são cinegéticas. Em Portugal tal não se verifica? Porquê? Não se entende.
Não existem grandes evidências que a pressão cinegética possa inverter o estatuto de conservação dos estorninhos. Os principais problemas associados à evolução das suas populações continuam ser a intensificação agrícola e o abandono. Assim, porque não se considera o estorninho-preto como uma espécie cinegética?
Se as nossas populações de estorninho-preto entrassem em colapso, então o estorninho-malhado deveria deixar de ser cinegético.
Quer de uma quer de outra forma estaríamos a simplificar a acção do caçador e a defendê-lo, pois na realidade é muito difícil, para não dizer impossível, distinguir as duas espécies em situações de caça, ou seja em voo, em bandos e juntamente com outras aves.
Fonte: confagri