Estava eu muito sossegado da vida a pescar à inglesa, em Coruche, do lado fronteiro à vila, quando um clarão imenso me ofuscou. O que vale é que durou apenas um segundo. Mesmo assim, deu para descortinar, por entre a luminosidade, duas figuras esguias e estilizadas, muito semelhantes à representação de extraterrestres que vemos nalguns filmes.
Passados uns momentos de estupefacção, foquei-me bem no local onde vira a estranha aparição. Nesse espaço estavam dois pescadores de fundo, de meia-idade, com proeminentes barrigas, bonés rústicos na cabeça, barba de uma semana e fartos bigodes. Enfim, o cliché típico dos pescadores alentejanos que procuram umas carpas ou barbos de bom tamanho para confeccionarem uma lauta patuscada.
Dirige-me aos pescadores e inquiri-os sobre o estranho fenómeno a que acabara de assistir.
- Os amigos viram o clarão?
- Qual clarão?... – Disse um.
- Um clarão que iluminou isto tudo, agora mesmo, e mostrou o que pareciam ser dois extraterrestres.
- ....
- Não me digam que não viram, pois não pode ser. Por força que deram por isso.
Deu-se então um estranho fenómeno. Os dois homens começaram a estreitar, a alongar-se e a perderem as feições mediterrânicas. Em breves segundos transformaram-se nos estranhos seres que havia lobrigado. Longilíneos, de cabeça esguia e enormes olhos negros amendoados, quase sem nariz e sem orelhas.
- Mas... Mas quem são os senhores? – Perguntei, apardalado e receoso.
- Não tenha medo. Somos do planeta Zirkilion e estamos numa missão muito específica de observação dos vossos costumes piscatórios de recreação. – Disse um deles.
- Pois. E eu sou o Pai Natal. – Respondi, a armar em forte, mas sem grande convicção e com muito respeitinho.
- Não seja sarcástico, amigo. É como dizemos. Normalmente actuamos disfarçados de pescadores alentejanos. Um lapso de manobra na nossa nave, estacionada na clareira de um pinhal, perto de Santarém, esteve na origem do clarão e das silhuetas que viu.
- ...
- Upsss... Temos virar de novo alentejanos. Lá ao longe vem um terráqueo, de t-shirt de manga à cava e de calções, em passo de corrida. – Disse a mesma criatura, alvoroçada. Acto contínuo, ei-los alentejanos, de novo.
- Mas, afinal, o que querem os senhores. E como é possível serem extraterrestres? Para isso tinham que ser oriundos de um planeta a milhares de anos-luz da Terra...
- Ora, ora, anos-luz. Isso para nós não é nada. Movimentamo-nos noutra esfera. Utilizamos uma força milionar potentíssima, medida em segundos-negros. Uma energia oriunda dos buracos negros. O vosso planeta está precisamente à distância de 25 segundos terráqueos do nosso.
- Ah sim!?... – Disse eu, entre o espanto e a incredulidade. Mas logo me refiz e insisti: - Mas, afinal, o que é que os senhores querem?
- Estamos a investigar a relação entre a pesca à linha e as divindades do vosso planeta.
- O quê?... Mas não há relação nenhuma. A pesca nada tem a ver com religiosidade.
- Ai tem, tem. E muito. Não me diga que nunca se apercebeu!?... Se calhar não faz parte do lote de iniciados. Reparámos que pesca de maneira diferente dos que fazem oferendas às divindades.
- Oferendas às divindades? Mas que raio de conversa é essa?
Os “extra-alentejanos”, digamos assim, entreolharam-se com cara de caso. Depois, um disse, apontando para debaixo de um salgueiro:
- Ali estão as oferendas. Não me diga que nunca tinha reparado. O que queremos saber é a quem se destinam. A Zénufer? A Xeontias? A Yakratias? A Pliohnios?...
- Mas, meus senhores, aquilo ali é lixo!... São garrafas de cerveja, garrafas de plástico, latas de conserva, sacos de plástico, latas de milho. Tudo vazio...
- Lixo!?... Ná!... Ora essa... Se fosse lixo tinham-no posto no caixote. Repare, está ali um, a 25 metros de distância, no outro lado do caminho.
- Pois, realmente está ali um caixote. Mas por cá há gente muito porcalhona. Deixam o lixo junto aos pesqueiros, mesmo com recipientes perto. Presumo que lá em Zirkilion seja diferente.
- Mas... É mesmo lixo? Não são ofertas?... Não, não, em Zirkilion não deixamos lixo espalhado. Por vezes, fazemos é oferendas às divindades. Deixamos aqui e ali alguns pequenos objectos biodegradávies, à beira-rio, ou flores, nas rochas à beira-mar, em pequenos altares, para mostrarmos agradecimento e rogarmos boas pescarias.
- Pois, mas aqui, neste ponto do planeta Terra, não há nada disso. Há é muita gente que ainda tem um longo caminho a percorrer, em termos de asseio e de boas práticas ambientais.
Os “extra-alentejanos” entreolharam-se e abanaram as cabeças. E antes que eu pudesse fazer ou dizer alguma coisa, transformaram-se em clássicos extraterrestres. Depois, agarraram-me e levitámos instantaneamente.
No ar, gritei, pedindo que me pusessem no chão. Em vão. Íamos subindo, subindo...
Foi então que acordei... Sobressaltado e com uma horrível sensação de queda.
Demorei algum tempo a normalizar a respiração e o ritmo cardíaco. Depois, olhei em redor. Estava deitado debaixo de um salgueiro, na margem do Sorraia frente a Coruche.
Lembrei-me que, antes do almoço e da sesta, tinha pegado na vasta lixarada existente no local e, praguejando, tinha ido depositá-la no caixote, a dois passos do local. Provavelmente fora isso que desencadeara aquele delírio onírico.
Levantei-me. Fui acordar o meu companheiro, abanando ainda a cabeça por causa do sonho. E disse-lhe:
- Toca a pescar, que os extraterrestres já se foram embora.
- Extraterrestres?... Deves ter sonhado, não foi? Eu bem digo que, com a idade, estás cada vez mais esquisito.